Instituto Pensar - Quatro estatuetas do Oscar 2020 para o filme sul-coreano Parasita

Quatro estatuetas do Oscar 2020 para o filme sul-coreano Parasita

Por Iara Vidal

Além de Melhor Fime, o cineasta sul-coreano Bong Joon Ho também ganhou nas categorias roteiro original, diretor e filme internacional. Reprodução internet.

A premiação de "Parasita”, dramédia sul-coreana sobre diferença de classes, recebeu quatro estatuetas no Oscar 2020 e se tornou o primeiro filme não falado em língua inglesa a vencer como Melhor Filme. Além do principal prêmio, o cineasta Bong Joon Ho também ganhou nas categorias roteiro original, diretor e filme internacional. O desempenho da película coroa o esforço do governo da Coreia do Sul para fomentar a indústria criativa do audiovisual naquele país. 

A trajetória sul-coreana da indústria criativa do audiovisual oferece contribuições importantes à análise da elaboração de políticas industriais voltada ao setor. O grande e rápido sucesso pode ser explicado por políticas formuladas pelo governo a partir dos anos 1990. No espaço de 20 anos, a Coreia do Sul saiu de um market share nacional irrisório de 2,1%, em 1994, para alcançar a marca significativa de 57% em 2014. Ou seja, uma participação nacional do mercado maior do que países que investem pesadamente na cultura, como a França, que obteve 36,8% naquele ano. 

"Isso mostra que políticas públicas adequadas às especificidades nacionais, as quais considerem de forma ampla todos os atores dentro da cadeia produtiva, elevaram à Coreia do Sul ao patamar de consumo nacional de suas obras audiovisuais apenas alcançado por dois países: Estados Unidos e Índia, únicos com mais da metade do market share nacional para o mesmo ano, por exemplo”, analisou a superintendente de Análise de Mercado da Agência Nacional de Cinema (Ancine), Luana Rufino, em material elaborado para o evento Rio Market, realizado em novembro de 2018, sob o título "A bem sucedida experiência sul-coreana no audiovisual”

Jurassic Park

Em 1994, por quase três meses, apenas o filme Jurassic Park foi exibido nos cinemas sul-coreanos. Esse episódio despertou a atenção das autoridades e dos formuladores de políticas públicas daquele país, não só pela massiva dominação cultural, mas também pelo volume de divisas perdidas para o mercado americano, equivalentes a 1,5 milhões de carros Hyundai. 

Naquele mesmo ano, o Conselho Presidencial de Ciência e Tecnologia sul-coreano submeteu um relatório ao chefe do Executivo. Em 1995, o governo sul-coreano modificou a Lei do Audiovisual sul-coreana que passou a ser chamada de "Motion Picture Promotion Law”, no intuito de atrair capital para o estabelecimento de um fundo setorial e também para criação de incentivos fiscais para o setor audiovisual. Essa política de promoção foi chamada de "Learning from Hollywood” (Aprendendo com Hollywood).

Após o caso Jurassic Park, o fraco desempenho econômico da Coreia do Sul foi o segundo fator que estimulou o governo a adotar uma estratégia industrial para rejuvenescer a economia nacional. Quando o governo sul-coreano anunciou a indústria audiovisual como a nova catalisadora do crescimento econômico, as grandes corporações familiares do país (Chaebols) – como Hyundai, Samsung, Daewoo, entre outras – voltaram-se ao setor na busca dos benefícios da política e entraram em toda a cadeia: produção, distribuição, exibição e importação. 

Depois da crise financeira asiática, o governo voltou a orientar as políticas de exportação do audiovisual sul-coreano como uma nova iniciativa econômica. Para isso, houve uma articulação das políticas públicas para envolver as demais empresas sul-coreanas que atingissem não só os conglomerados (Chaebols), mas também a indústria que é independente dessas grandes empresas, no sentido de dar mais estabilidade ao crescimento do setor.

O fator-chave para promover as políticas públicas de audiovisual na Coreia do Sul foi a percepção, pelo então presidente do país, Kim Young-sam (1993 a 1998), da importância da indústria criativa do audiovisual no novo ciclo de inovação que iria liderar a economia nacional após a crise asiática de 1997. No setor de economia da cultura, o foco tem sido a chamada indústria criativa do audiovisual ou indústria do entretenimento como líder da próxima geração do crescimento econômico nacional. 

O presidente seguinte, Kim Dae-jung (1998 a 2003), compartilhava da convicção de seu antecessor de que a indústria criativa, especialmente a indústria do audiovisual e do entretenimento, teria um impacto positivo excepcional na economia do país. Ele ficou conhecido como "Presidente da Cultura”, dada a ênfase que ele deu às políticas públicas voltadas ao setor. 

As políticas públicas de fomento da Coreia do Sul voltadas para a indústria do audiovisual contemplaram incentivos fiscais à infraestrutura da indústria, apenas concedidos no uso de tecnologia nacional; empréstimos às empresas para investimento na produção audiovisual, com condições especiais para pequenas e médias empresas; subsídios voltados diretamente aos produtores, à produção de conteúdo; e subsídios direcionados à infraestrutura e aos canais de distribuição de conteúdo: exibidores e distribuidores.

A Coreia do Sul implementou ainda um programa de internacionalização da produção (International Exhibition Program), que consistiu em financiamento a participação em festivais; operação e administração das produções fora do país; adaptação dos programas nacionais à língua estrangeira; produção de obras audiovisuais com efeitos de som e música (M&E) gravados separadamente dos diálogos, a fim de melhor adaptar à dublagem para exportação; subsídio à exportação de produtos nacionais. 

A política de fomento voltada à indústria do audiovisual da Coreia do Sul partiu da premissa de que o setor audiovisual (e de entretenimento) era estratégico e representava o novo motor do ciclo de crescimento da economia. Nesse espírito, foi realizada a construção de políticas voltadas ao setor com ênfase nos canais de transmissão (distribuição e exibição) da produção nacional; desenvolvimento tecnológico interno; fomento direto à produção; e internacionalização da produção. 

Dentre as principais medidas para incrementar o setor audiovisual na Coreia do Sul, merecem destaque a montagem de salas de exibição e estúdios e a promoção da produção no formato digital para transmissão na televisão. Houve ainda a concessão de subsídio para 80% do orçamento das produções e 20% de capital próprio. Para distribuição e exibição, foram fornecidas instalações de produção para atender a um único planejamento, produção e comercialização de vídeos de transmissão digital. Também foram fornecidos subsídios para investimentos de alto valor agregado para cinema e televisão e cota de tela para exibir obras nacionais na televisão (aberta e fechada) e no cinema.

Outra medida do governo para incrementar a indústria de audiovisual e entretenimento da Coreia do Sul foi o a financiamento para os gastos na distribuição de obras audiovisuais coreanas para o mercado internacional, a criação do Fundo de Desenvolvimento do Audiovisual, até no máximo 6% das receitas das grandes distribuidoras e operadoras, definida a cada ano. Houve ainda o financiamento para adaptação (remaking) à dublagem ou gravação separada de M&E para melhor colocação da obra no mercado externo Qualificação; e financiamento a programas de treinamento, bolsas de estudo, qualificações, especializações dentro de centros técnicos ou centros de treinamento, faculdades, escolas de negócios, pós-graduação e pesquisas (Parceria com o Ministério da Educação).




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