Instituto Pensar - Autorreforma: desafio criativo das instituições partidárias

Autorreforma: desafio criativo das instituições partidárias

Por Carlos Siqueira e Domingos Leonelli*

Por
 Redação

A situação dramática com que o Brasil se depara não decorre, evidentemente, apenas do mandato presidencial em curso, mas também e especialmente de uma sucessão de eventos, desde 1985, que produziram finalmente uma vitória eleitoral que traduz certo desencanto, com relação às virtudes e possibilidades da democracia representativa.

Ao longo desses 34 anos estabeleceu-se no Brasil um grande dissenso entre a sociedade civil — especialmente da base para os extratos médios de renda — e o Estado Nacional, cuja personificação negativa recai sobre os agentes políticos, entidades estatais, sindicatos, partidos políticos etc. Essas são as faces, o rosto comum do "tudo isso que está aí”, que concederam ao atual governo, já a partir do processo eleitoral, sua falsa marca "antissistema”.

É fundamental, contudo, indicar duas falácias presentes na narrativa hegemônica, e que auxiliaram em grande medida na vitória dos conservadores em 2018. Primeiramente, os reais e principais beneficiários da captura do Estado Nacional nunca aparecem de forma efetiva.

A interferência massiva da mídia main stream, dedicada quase que integralmente a veicular as teses ultraliberais, acaba por impedir que se realizem as sinapses que levam, do esgotamento orçamentário do estado brasileiro, a elementos como o serviço da dívida pública, renúncias fiscais, leniência em cobrar os grandes devedores do fisco, e assim por diante.

Dissimula-se, igualmente, que sem a adequada mediação política e a governança praticada pelas agências estatais, o que emerge é um governo de natureza autoritária, cujo poder e hierarquia são estabelecidos pela força bruta do capital e dos interesses do sistema financeiro nacional e internacional, grandes corporações transnacionais — evidentemente contando com os parceiros internos das agendas do atraso.

O CAMPO PROGRESSISTA, POR SUA VEZ, NÃO ESTÁ ISENTO DE GRANDES EQUÍVOCOS, QUE PRODUZIRAM FRAGILIDADES QUE O AFASTARAM DAS DEMANDAS POPULARES. HOUVE AO MENOS DUAS GRANDES FALHAS ESTRATÉGICAS NESSES ÚLTIMOS 34 ANOS. A PRIMEIRA ESTÁ ASSOCIADA A UMA LARGA TOLERÂNCIA COM A PROCRIAÇÃO DE INSTITUIÇÕES PARTIDÁRIAS, QUE TERMINOU POR GERAR LEGENDAS QUE CONFUNDEM POLÍTICA COM "OS NEGÓCIOS”. TÍNHAMOS, E AINDA TEMOS, QUE CAPITANEAR UMA REFORMA POLÍTICA DIGNA DE NOME!

De outra parte, a instituição partidária que liderou o campo progressista por período de tempo expressivo (mais de 13 anos) sequer tentou realizar, com o farto capital político que chegou a reunir, as reformas estruturantes que poderiam dar à democracia brasileira um conteúdo objetivo, melhorando de forma sensível e estável a qualidade de vida da população. Afinal de contas, democracia não pode ser apenas votar nas eleições e sufragar lideranças carismáticas. Nem a cidadania se resume ao consumo.

O que é possível fazer neste cenário? Inicialmente reconhecer que estamos diante de uma luta de longo prazo, que tem por objetivo recuperar a confiança a sociedade brasileira em um projeto político efetivamente democrático, popular, inclusivo, sustentável, transformador, enfim.

Não nos enganemos quanto a isso: a agenda econômica ultraliberal exige soluções autoritárias do ponto de vista político. Exatamente por isso, a luta que melhor unifica a resistência no campo progressista em defesa dos reais interesses do grosso da população é a preservação e aprimoramento da democracia representativa.

A TAREFA COLETIVA NÃO NOS EXIME, CONTUDO, DE OLHAR PARA DENTRO DE CADA INSTITUIÇÃO E RECONHECER QUE HÁ MUITO A FAZER. AS LINHAS QUE CONECTAM PRINCÍPIOS PROGRAMÁTICOS À PRÁTICA NÃO PODEM SER FRÁGEIS, DESCONEXAS E EXTEMPORÂNEAS. OS PARTIDOS POLÍTICOS PRECISAM, PORTANTO, BUSCAR UMA "AUTORREFORMA” CRIATIVA; DEVEM SE RECONCILIAR INDIVIDUALMENTE COM A SOCIEDADE CIVIL, PARA QUE POSSAM EFETIVAMENTE PRETENDER REPRESENTAR ELEITORES, QUE TÊM SIDO ATÉ AQUI EXTREMAMENTE GENEROSOS COM A LICENCIOSIDADE POLÍTICA QUE SE VEM PRATICANDO NO BRASIL.

O PSB o fará. Fiel a seus princípios, mas dirigindo suas expectativas de transformação social à economia criativa, como estratégia de desenvolvimento; e a atualização tecnológica das forças produtivas; defendendo o aprimoramento da democracia representativa, por meio do uso intensivo de instrumentos participativos, já previstos em nossa Constituição.

O que se pretende, ao termo e ao cabo, é que realizado o processo de atualização de sua agenda política, o PSB se transforme em uma instituição tão nova, quanto os desafios que o mundo contemporâneo propõe a todos nós e especialmente aos agentes políticos. Capaz de contribuir para que o Brasil dê um salto criativo sobre seu passado tão desigual e injusto.

(*) Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB e (*) Domingos Leonelli, ex-deputado federal constituinte

Artigo publicado no site Brasil 247



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