Bolsonaro chega à Rússia em meio a tensões políticas e bélicas na região
por: Mariane Del Rei
O presidente Jair Bolsonaro (PL) viaja para a capital da Rússia, Moscou, nesta segunda-feira (14) em meio a tensões extremas do país com a Ucrânia e aliados ucranianos, como os Estados Unidos. Bolsonaro fará um voo de 16 horas e cinco testes de Covid, atendendo às exigências sanitárias do Kremlin. Bolsonaro chegará no auge da tensão entre o governo de Vladimir Putin e o Ocidente, que há dias fala em risco "iminente? de uma invasão russa da Ucrânia. Alertado de que a visita poderia criar desgaste com os EUA e a União Europeia (UE), o presidente nem chegou a considerar a hipótese de cancelar o compromisso.
A justificativa para manter a viagem é que as relações comerciais com a Rússia são estratégicas para setores como agronegócio e energia. Em ano eleitoral e com Bolsonaro atrás, nas pesquisas, o encontro com um líder global também busca mostrar algum prestígio internacional.
A fotografia de Bolsonaro com Putin certamente se somará ao acervo que já reúne imagens com Xi Jinping e Narendra Modi, como forma de o Planalto rebater críticas à condução ideológica da política externa. O encontro no Kremlin também serviu para Bolsonaro incomodar a Casa Branca e pleitear um encontro com Biden ? de quem o presidente brasileiro vive se queixando, dizendo que o democrata "não tem tempo? para ele e que a alegada indisposição seria eco de um alinhamento pessoal com o ex-presidente Donald Trump.
Bolsonaro afirma que Putin é um conservador e existem semelhanças entre eles ? a exemplo da relação conturbada com imprensa e opositores, aproximação com religiosos e a valorização da "masculinidade?. Mas do ponto de vista geopolítico, não há. Na América Latina, os russos sustentam relações próximas e ajudam na sustentação econômica e militar de regimes de esquerda em Cuba e na Venezuela, hostis aos EUA. O bolsonarismo tem em sua raiz uma aversão a esses dois governos latinoamericanos. Uma contradição que Bolsonaro omite de seus simpatizantes.
Esse será o terceiro encontro pessoal entre Putin e Bolsonaro. Ele já poderia ter ocorrido em 2020, mas foi adiado pela pandemia da covid-19. Putin veio a Brasília, em 2019, por ocasião da Cúpula do Brics, sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e convidou Bolsonaro a visitar Moscou pelo mesmo motivo. Será também oportunidade de retribuir a reunião bilateral que mantiveram no Palácio do Planalto, em Brasília, à margem do Brics. Eles também se encontraram em Osaka, no Japão, por ocasião do G-20.
Economicamente, porém, as exportações russas para o Brasil são muito mais importantes que a troca no sentido inverso. Em 2021, o Brasil vendeu aos russos US$ 1,587 bilhões, principalmente, em soja (22% do total), carne de aves, café, amendoins, açúcar e carne bovina. As vendas russas, que somaram US$ 5,699 bilhões, são mais concentradas: adubos e fertilizantes representaram 62% do total, seguidos de carvão, óleo combustível ou petróleo e lingotes de aço.
A possibilidade de avanço na pauta comercial é relativamente pequena, e focada no agronegócio: o Brasil tentará exportar mais produtos acabados para os russos, que tentarão vender mais insumos e defensivos. O ponto alto será a confirmação da compra da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3) da Petrobras, que fica em Três Lagoas (MS), pelo grupo Acron.
Dessa maneira, a agenda política e bilateral tende a ser mais efetiva. Porém, ao contrário do argentino Alberto Fernández, que visitou Moscou, no início do mês, para agradecer o apoio à vacinação contra a Covid-19 com o imunizante Sputnik V e obteve uma declaração de apoio aos argentinos, na disputa com os ingleses, pelas Ilhas Malvinas, especialistas não veem um objetivo estratégico claro para o Brasil:
"O Fernández tinha objetivos mais claros. Mas o Bolsonaro quis fazer uma viagem, qualquer viagem, para tentar mostrar que não está isolado. O convite de Putin veio a calhar, e sempre se pode indicar algum avanço na área de comércio e investimentos?, afirmou Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV.
Na recente visita à Rússia, o chefe de Estado argentino expressou o desejo de que seu País seja incorporado aos BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), recebendo, rapidamente, o apoio dos governos russo e chinês. Não se descarta que Putin inclua o assunto na conversa com o presidente brasileiro.
Na crise envolvendo a Ucrânia, Bolsonaro levará o discurso de que é um defensor da solução pacífica de conflitos, como prevê a Constituição. A recomendação é que evite puxar o assunto e não dê declarações tomando partido, reforçando a posição histórica do Brasil de neutralidade. Auxiliares do governo, porém, admitem que o principal tema atual da geopolítica não ficará de fora do encontro. Os dois presidentes terão um almoço e está previsto um comunicado conjunto.
A crise também deverá ser abordada na reunião entre os ministros das Relações Exteriores e da Defesa, que também ocorrerá na quarta-feira (16). Integrantes do governo dizem que a agenda não tem como origem a crise na Ucrânia, mas admitem que a questão deve ser mencionada. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e o chanceler, Carlos Alberto França, também discutirão com os russos uma cooperação militar e o desenvolvimento das Forças Armadas.
O Brasil assumiu, neste ano, uma vaga rotativa no Conselho de Segurança, após uma década longe. As prioridades do organismo também estarão sobre a mesa. Quinze países têm direito a voto no Conselho, mas são membros permanentes, com direito de veto, apenas EUA, França, Grã-Bretanha, China e Rússia. Nesse sentido, a agenda, em Moscou, é cercada da expectativa de que Putin reafirme, como fez em 2014, apoio à candidatura brasileira a uma vaga permanente no CS da ONU. Com Japão, Alemanha e Índia, o Brasil forma o G4, que defende a ampliação do fórum.
O avanço da variante Ômicron reduziu a agenda brasileira a apenas um dia e também obrigou a enxugar a comitiva. Os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Anderson Torres, ficaram de fora do grupo, segundo a última lista.
O dia 16 começa com uma visita de Bolsonaro ao Memorial do Soldado Desconhecido. Após o encontro com Putin, o presidente se reunirá com o líder da Câmara Baixa do Parlamento russo, a Duma. Depois participará de um encontro de empresários dos dois países.
Bolsonaro viajará, na manhã do dia 17, para Budapeste, capital da Hungria, onde se encontrará com o primeiro-ministro Viktor Orbán, líder ultranacionalista e referência para a direita radical brasileira. Será a primeira visita oficial de um presidente brasileiro ao País.
O economista Igor Lucena, membro da Chatham House , de Londres, e da Associação Portuguesa de Ciência Política, acredita que o brasileiro deveria ter incluído uma viagem a Kiev para mostrar neutralidade na crise atual. O País, alerta, precisa tomar cuidado para não sair prejudicado dessa viagem, rompendo a tradição brasileira de defesa da autodeterminação dos povos:
"Nós temos interesses com os EUA, com a UE e também com a Rússia, dentro de um contexto global multilateral. Isso é importante, mas sempre defendendo a democracia, a soberania de cada nação e o pacifismo de uma maneira geral?.
Com informações de O Globo e Estadão
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