O que é social-liberalismo?
por: Rudá Ricci
Lula, em sua entrevista à mídia independente, esboçou as bases de um programa social-liberal. Chegou a dizer que seu governo será de centro e que buscará, se for necessário, até forças de centro-direita para compor.
Nada mais nítido em termos de suas intenções.
Contudo, ao citar a silhueta social-liberal que esboçou, alguns lulistas e petistas ficaram incomodados. Um dirigente importante chegou a afirmar que admitiria a pecha de socialdemocrata, mas não social-liberal.
Vou delinear, então, as diferenças entre social-liberalismo, socialdemocracia e neoliberalismo.
A agenda social-liberal adota uma forte preocupação com as políticas sociais inclusivas, desde que subordinadas aos interesses do mercado.
A agenda socialdemocrata é mais avançada porque é promocional, ou seja, altera o patamar da cidadania, tanto em termos econômicos e sociais, como culturais e políticos. Neste sentido, enquadra os interesses de mercado aumentando as taxas e tributos a serem pagos pela iniciativa privada. As empresas passam a ser um potente provedor das ações estatais. Algo muito distinto do que sempre se fez no Brasil, mesmo quando forças progressistas dirigiram o Estado nacional. Aqui, as empresas vivem de fundos públicos. Aliás, Lula citou este fenômeno em sua entrevista aos independentes. Disse que empresário tupiniquim não investe em novas tecnologias ou inovação. Todos sabemos que têm uma ninhada de escorpiões nos bolsos. A cultura empresarial brasileira é pré-capitalista, totalmente capturada por valores estamentais que aprendeu de pai para filho desde a Casa Grande. Paulo Guedes escancarou a cultura pré-capitalista ao dizer que empregadas domésticas viajavam muito do Brasil para a Disney. Lembremos que a nata do empresariado nacional financiou a histeria juvenil que gritava nas ruas pelo impeachment de Dilma Rousseff.
A agenda neoliberal desregulamenta as relações trabalhistas e canaliza todo investimento público para as grandes corporações, reduzindo ao emergencial (e focalizado) os gastos sociais. Há autores neoliberais exageradíssimos que dizem que as relações de mercado são as mais democráticas porque o comprador compra o que deseja e o vendedor procura convencer o comprador. A relação seria entre iguais que negociam seus interesses até um ponto ótimo. Nunca entendi se essa crença era má fé daqueles que desde a adolescência roubavam doce de criança ou é uma utopia de quem já bebeu cinco caixas de cerveja alternadas com algumas de whisky.
O social-liberalismo está à esquerda do neoliberalismo, mas à direita da socialdemocracia.
A agenda social-liberal não investe em grandes arroubos democráticos na tomada de decisão pública. Prefere acordos entre elites, entre dirigentes sindicais ? nada de consulta ativa às suas bases -, aos grandes empresários ? os micro e pequenos só entram como moldura de discursos inclusivos -, os caciques partidários ? os não-filiados nem entram na fila do pão.
Na primeira gestão de Lula, a que começou em 2003, houve certa incerteza sobre qual rumo tomar. Isso durou até 2005, quando Lula adotou de vez a inspiração rooseveltiana. Até então, bateu no cravo e na ferradura alternadamente. Às vezes, no mesmo instante. O caso emblemático foi criar o Ministério da Agricultura ? dado ao agronegócio ? e o Ministério do Desenvolvimento Agrário ? dado para a Democracia Socialista dirigir com extensionistas rurais, lideranças agroecológicas e da agricultura familiar. A política bicéfala nesta área se repetiu na macroestrutura de governo: economia com megaempresários e ultraliberais (sob comando de Palocci e Meirelles) e políticas sociais mais próximas da esquerda petista e igreja progressista, caso do programa Fome Zero. A partir de 2005, Lula deixou a dúvida de lado. O Fome Zero foi substituído pelo Bolsa Família e sua operacionalização deixou de ser feita por estruturas participacionistas (como Frei Betto havia montado) e foi para as mãos de prefeitos, dentro da tal visão republicana (que poucos entendem).
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Agora, o distanciamento com o Modo Petista de Governar se acentuou. Lula continua falando das três refeições diárias e da agenda social como relevante para o processo civilizatório brasileiro. Mas, não cita uma linha da gestão participativa. Nem que enquadrará empresários e sua fome de comer. Enfim, fala de matar a fome de todos: de comida e de poder. Isso não é socialdemocracia. Está mais para a agenda de Tony Blair, o dirigente inglês que pavimentou a transição da socialdemocracia para o social-liberalismo.
O Reino Unido, aliás, é um bom campo de pesquisa sobre social-liberalismo. Foi aí que os ex-socialdemocratas arredondaram a bola da Nova Gestão Pública inaugurada pela Baronesa Thatcher de Kesteven, mais conhecida como Margaret Thatcher.
Explico para não confundir. Acredito que é fundamental sermos corretos, honestos e transparentes nas escolhas ideológicas e teóricas que fazemos na política. Principalmente quando o desejo é reconstruir o país, destruído pelos trogloditas da extrema-direita.
Ser claro é parte da pedagogia política das forças progressistas.
Lula não errou, mas fez uma escolha. E é fundamental que todos tenham nítido sobre qual escolha fez para não se queixar sobre o peixe que comprou.
*Rudá Ricci é sociólogo, trabalha com educação e gestão participativa. É presido o Instituto Cultiva
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