Textos inéditos de Carolina Maria de Jesus são lançados nesta sexta
por: Mariane Del Rei
A estreia do projeto de edição dos cadernos de Carolina Maria de Jesus será nesta sexta (6) com o lançamento de Casa de Alvenaria. Publicada em 1961, Casa de Alvenaria, a ?sequência? de Quarto de Despejo, em que a autora escreve sobre sua vida de ex-favelada, como estava no título, chega um pouco diferente às livrarias. Agora, são dois volumes com recorte temporal ? um para o período em que, após deixar Canindé, ela foi morar com os filhos em Osasco, e outro para os tempos em que viveu em Santana.
Outra diferença é que enquanto a edição original trazia uma seleção de trechos dos diários, de 5 de maio de 1960 a 21 de maio de 1961, a edição da Companhia das Letras traz o conteúdo integral, de agosto de 1960 a dezembro de 1963. Tudo feito a partir dos manuscritos originais, doados, com algum arrependimento, por Vera Eunice para Sacramento, cidade natal de Carolina e que finalmente deve criar um museu para ela. Por sorte, eles já estavam digitalizados ? mas não transcritos.
Esse é só o começo, e o conselho curador, coordenado pela escritora Conceição Evaristo e por Vera e composto ainda por Amanda Crispim, Fernanda Felisberto, Fernanda Miranda, Raffaella Fernandez e outras quatro pesquisadoras, vai mergulhar no baú da escritora, que deixou cadernos e mais cadernos anotados. A pandemia prejudicou também o acesso a esse acervo, então não se sabe quando sairão outros livros, já que tudo será transcrito, cotejado, estabelecido. A única certeza é de que há muitos inéditos a serem revelados.
"Eu dormi com a minha mãe até os 18 anos e ela escrevia todas as noites. Pedia para eu não me mexer e escrevia em cima do meu corpo. Ainda me lembro do barulho da caneta tinteiro, e fico arrepiada só de falar?, comenta Vera Eunice, aos 68 anos, professora de português do Estado aposentada, mas que segue em sala de aula, agora na educação infantil.
Legado de Carolina Maria de Jesus
Companheira inseparável da mãe, que mesmo tendo menos de dois anos de estudo queria que a filha seguisse o magistério, ela lembra que, pequena, a ajudava um pouco com a gramática. Vera, no entanto, pediu a escrita dela fosse preservada. Assim, essas novas edições mantém a grafia, a pontuação e as construções verbais e nominais da autora, entendidas pela editora como "ferramentas de construção literária e marcas autorais imprescindíveis para a adequada recepção de sua obra?. Alguma atualização ortográfica, porém, foi feita.
A editora Camila Berto, que está à frente do projeto na Companhia das Letras, ressalta que a obra de Carolina é um mundo. "Carolina Maria de Jesus é uma escritora extremamente talentosa, criativa e perspicaz. Seus diários carregam muito dessa multiplicidade dela. E Carolina é encantadora. É impossível ler e não sair mexido e impactado pela obra. É impossível sair ileso.?
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Vera, personagem frequente nos diários, conta que não gosta muito de relê-los. Foi uma vida muito difícil, com uma pequena trégua de três anos, quando Carolina ganhou algum dinheiro com Quarto de Despejo ? e que gastou (também ajudando muita gente, segundo a filha).
"É muito complicado para mim. Queria ler sua obra como leio Machado de Assis, mas não consigo. Começo, paro, me emociono, lembro dela. Agora, como fiz o prefácio de Casa de Alvenaria, voltei a reler e cheguei à conclusão de que minha mãe foi mais infeliz na sala de visita do que no quarto de despejo?, conta Vera, empenhada na promessa de manter vivo o legado de sua mãe e de colocá-la, como ela diz, ao lado de nomes como Clarice Lispector, que ela conheceu.
?Carolina Maria de Jesus ainda tinha muito a dizer?
Conceição Evaristo, uma das mais respeitadas escritoras brasileiras, que inspirou jovens mulheres negras a entrar na literatura, leu Carolina Maria de Jesus nos anos 1960, com a mãe e as tias, que trabalhavam como empregada. "A gente lia Carolina sendo também Carolina?, diz, hoje, aos 74 anos, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Voltar a essa obra tantos anos e tantas histórias depois, como membro do conselho editorial que está trabalhando nos inéditos da escritora que começam a ser publicados, ganha novos significados.
Ela representa essa possibilidade de ampliação de uma criação literária brasileira. Carolina chega exigindo espaço para novas formas, inclusive de compreensão do que seria literatura, quebra com a hegemonia literária liderada por autores brancos ? homens e mulheres ?, e chega se apropriando da língua, do texto literário, desse desejo da literatura a partir das classes populares. Sua escrita também institui novas formas de escrita. Tenho chamado isso de uma gramática do cotidiano. Ela brinca com a língua portuguesa a partir de outra experiência linguística e navega pela língua culta. Sabe que está produzindo literatura e trabalhando com a arte da palavra. Conceição Evaristo
Conceição diz na entrevista que a obra de Carolina é muito atual enquanto uma obra que traz, de uma maneira bem explícita, a partir da vivência, a realidade de grande parte da população brasileira. Ela revela as dificuldades e carências em termos materiais que ainda hoje atinge muita gente, e revela as outras carências da sociedade. A carência de Carolina, o desejo dela pela escrita e pela leitura, é um desejo e um direito do povo.
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A escritora ainda completa dizendo que a publicação dos textos inédito de Carolina Maria de Jesus é uma justiça que chega tardiamente, pois era necessário que ela estivesse presente.
Essa homenagem, os livros? Seria tão bom se isso tivesse acontecido em vida. Carolina morreu muito decepcionada e o que me chama mais atenção é que ela foi vítima de uma crise asmática. Metaforicamente, isso indica que Carolina morreu engasgada. Ela ainda tinha muito o que dizer, e precisava dizer. Conceição Evaristo
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo
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