Anvisa autoriza estudo com proxalutamida após Bolsonaro defender medicamento
por: Michelle Portela
Após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defender o uso de outro medicamento contra a Covid-19, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou, nesta segunda-feira (19), estudo para avaliar segurança e eficácia do remédio proxalutamida, indicado para tratamento de câncer de próstata e de mama.
Ao contrário de outros medicamentos que Bolsonaro prescreve sem qualquer base científica para lidar com a doença, como a cloroquina e a ivermectina, a proxalutamida ainda não foi descartada como ineficaz nesta pandemia.
Seu uso, contudo, não teve nenhum estudo publicado em uma revista científica de prestígio. A praxe estabeleceu que todo resultado de pesquisa apresentado por cientistas seja revisado por outros especialistas. A rechecagem dos dados feita por pares dá mais solidez ao trabalho.
Bolsonaro faz propaganda de proxalutamida
Bolsonaro citou o medicamento ao sair de um hospital em São Paulo, após receber alta neste domingo (18). Ele estava internado havia cinco dias e se recupera de uma obstrução intestinal.
"Tem uma coisa que eu acompanho há algum tempo, e nós temos que estudar aqui no Brasil. Chama-se proxalutamida. Já tem uns três meses que isso aí? Não tá no mercado, é uma droga ainda em estudo, sendo estudada.?
Voluntários
O estudo autorizado pela Anvisa está na fase três e vai envolver 50 voluntários em Roraima e em São Paulo, além de voluntários em outros seis países, entre eles a Alemanha e os Estados Unidos.
Na manhã desta segunda, após a autorização, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que medicamentos contra a Covid-19 ainda precisam ser estudados e testados. "A proxalutamida está no início dessas pesquisas e precisa estudar mais para verificar primeiro a sua segurança, segundo a sua eficácia, e, a partir daí, é possível ser considerada para o tratamento [da Covid-19]?.
"O estudo é patrocinado pela empresa Suzhou Kintor Pharmaceuticals, sediada na China, e será realizado na Alemanha, Argentina, África do Sul, Ucrânia, México, Estados Unidos e Brasil, onde participarão 12 voluntários do estado de Roraima e outros 38 de São Paulo?, afirmou a agência em nota.
Métodos do estudo
Segundo a Anvisa, "trata-se de um estudo de fase III, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, para avaliar a eficácia e a segurança da substância em participantes ambulatoriais do sexo masculino com Covid-19 leve a moderada (Protocolo GT0918-US-3001)?.
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Motivação política
Para o infectologista Alexandre Naime Barbosa, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, nada garante que a proxalutamida reduza os números de hospitalizações e óbitos causados pelo vírus.
"Essa droga não é utilizada em nenhum protocolo mundial, a não ser por grupos que têm motivação política ou econômica. Tem uma questão muito séria de financiamento por conta de algumas empresas que querem achar uma bala de prata, e depois da cloroquina e ivermectina é essa?, diz. "O Paraguai adotou isso ao arrepio da ciência, e outros países com política de saúde bastante duvidosa também.?
Segundo o especialista, o assunto está na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) dentro de um grupo que analisa as estratégias de saúde e as ferramentas que podem funcionar na Covid.
"Isso é mais um factoide que o governo federal coloca para tirar a luz do que realmente importa, que é a tragédia nacional que vivemos. Não há a menor comprovação de eficácia da medicação neste momento?
Alexandre Naime Barbosa
Faltam preceitos éticos
O uso do medicamento é tema de um estudo polêmico que está sob investigação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) por não ter tido todos os preceitos éticos seguidos.
"Há uma questão séria envolvendo o pesquisador Flávio Cadegiani aqui no Brasil. Foi utilizado um grupo controle ?escolhido a dedo?, que foram os pacientes hospitalizados em Manaus na época em que houve a principal onda de Covid, em dezembro e janeiro, ou seja, um estudo sobre o qual pairam muitas dúvidas?, afirma Barbosa.
A reportagem da Folha de S. Paulo não conseguiu contato com Cadegiani, autor de um outro estudo que serviu de base para o TrateCov. O aplicativo desenvolvido pelo Ministério de Saúde sugeria a prescrição de hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina a partir de uma pontuação definida pelos sintomas do paciente após o diagnóstico de Covid-19.
Socialista critica mercantilização da Covid-19
O líder da Minoria, deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ) questionou os estudos sobre a proxalutamida.
E não foi o único. O senador Otto Alencar (PSD-BA), membro da CPI da Pandemia, também se manifestou contrário aos estudos sobre a eficácia da medicação.
"Proxalutamida é uma medicação antiandrógenico que inibe a ação de hormônios masculinos (testosterona), usada para alguns tipos de câncer. Não use, afeta a libido e não tem eficácia. Delírio do #capitão cloroquina. O correto é: procure seu médico ou tome #vacina?
Otto Alencar
Contraponto
O médico Carlos G. Wambier, professor assistente e educador clínico do Departamento de Dermatologia da Alpert Medical School da Universidade Brown (EUA), que colaborou com o estudo de Manaus, defende que outros países ou hospitais façam experimentos ou estudos com a proxalutamida ou moléculas similares para obter mais evidências sobre seu uso e efeitos colaterais.
"O que não concordo é com médicos que jamais prescreveram antiandrógenos fazendo comentários contra o que desconhecem. Há um preconceito travestido de ceticismo que é muito ruim para a ciência. A mente tem que estar aberta para novas informações e tratamentos?, disse Wambier.
Anvisa analisa terceira dose da Astrazeneca
A agência também autorizou, nesta segunda, a realização de um estudo para avaliar a segurança e a eficácia da terceira dose da vacina da AstraZeneca contra a Covid-19. O estudo da terceira dose da AstraZeneca ocorrerá apenas no Brasil, com 10 mil voluntários em cinco estados, com participantes do estudo inicial da vacina. A terceira dose será aplicada entre 11 e 13 meses após a segunda dose.
Serão incluídos voluntários entre 18 e 55 anos, que estejam altamente o expostos à Covid-19, como profissionais de saúde, gestantes ou pessoas com comorbidades.
Com informações da revista Fórum e da Folha de S. Paulo
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