Instituto Pensar - SUS diminui disparidade entre negros e brancos em longevidade em 22 UFs

SUS diminui disparidade entre negros e brancos em longevidade em 22 UFs

por: Mariane Del Rei 


Foto: Fernando Silva/Prefeitura de Maricá ? RJ

A disparidade no acesso à saúde, causada pela desigualdade de renda que separa os negros dos brancos, foi agravada pela pandemia no Brasil. O aumento do hiato racial tem sido mais acentuado em partes do país que já apresentavam maior nível de desigualdade, como o Rio Grande do Sul. O estado é uma das cinco unidades da Federação que não havia alcançado um equilíbrio relativo entre negros e brancos no topo da pirâmide etária, antes do surgimento da covid, segundo Índice Folha de Equilíbrio Racial (Ifer).

Os outros quatro estados que exibiram a maior disparidade entre brancos e negros, em termos de sobrevivência, foram Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Santa Catarina. O Ifer foi desenvolvido pelos economistas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Sergio Firpo, Michael França e Alysson Portella, com base nos dados da Pesquisa Contínua por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mede a distância das 27 Unidades da Federação (UF) e das cinco regiões do país de um quadro em que o acesso dos negros a melhores condições de vida é proporcional ao seu peso na população. A análise é feita apenas para a população com 30 anos ou mais e se restringe à comparação entre negros ? grupo que inclui pardos e pretos ? e brancos. Na saúde, o parâmetro de cálculo é a parcela de negros que consegue atingir e ultrapassar a mesma idade que separa os 10% brancos mais longevos dos 90% restantes.

Quanto mais distante essa fatia estiver da fatia de pretos e pardos entre os habitantes de UF, mais negativa será sua Ifer, que pode variar entre -1 e 1. Números positivos indicariam sobrerrepresentação de negros em estratos de elite, mas essas situações são raras no Brasil.

As dimensões da educação superior e da participação no topo da pirâmide de renda do índice mostram graves disparidades na maior parte do país. O cenário de menor disparidade entre negros e brancos aparece no componente sobrevivência. Entre as 27 UFs, 22 estão próximas do patrimônio líquido. De acordo com a metodologia de Ifer, isso ocorre quando os números estão entre -0,2 e 0,2.

SUS diminui disparidade racial na longevidade

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988 contribuiu significativamente para a maior longevidade dos brasileiros pretos e pardos, segundo especialistas. "Apesar das dificuldades, o SUS atende bem e acolhe cerca de 70% da população negra?, afirma o sociólogo Luís Eduardo Batista, coordenador do grupo de trabalho sobre saúde e racismo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

O SUS com Políticas de atenção primária e campanhas eficazes de vacinação desempenharam um papel crucial na redução da mortalidade infantil e adulta. Segundo a médica e pesquisadora sênior da Vital Strategies, Fátima Marinho, embora isso explique a menor disparidade racial na longevidade, é importante ressaltar que viver mais não é sinônimo de viver com qualidade.

"Há um equilíbrio de sobrevivência, mas é um equilíbrio precário porque o que realmente melhora a saúde da população vulnerável são as oportunidades educacionais e melhores condições econômicas?. Fátima Marinho

Desigualdade x pandemia

Quando o equilíbrio da saúde é precário, os avanços da população mais pobre estão sujeitos a retrocessos em tempos de crise, como o que se vive atualmente no Brasil. A pandemia causou milhares de mortes a mais do que o esperado, considerando a tendência dos últimos anos no país. Isso ocorre tanto pela contaminação pela covid-19 quanto pelos efeitos indiretos da crise sanitária, como o aumento do desemprego e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

Um estudo da Vital Strategies revela que esse excesso de mortes tem se concentrado desproporcionalmente entre os brasileiros pretos e pardos. O excesso de mortes associadas à pandemia, em 2020, chegou a 28% entre os negros e 18% entre os brancos, no Brasil como um todo.

Leia tambémCovid-19: Brasil tem 533 mil mortos

Texto de França e Firpo no livro "Legado de uma pandemia?, organizado pelo Insper, menciona que a falta de acesso a pelo menos esgoto ou água encanada ?crucial para a higiene? atinge 44,5% dos pretos e pardos e 27,9% dos brancos em 2019.

Algumas das comorbidades associadas a piores condições de covid-19, como diabetes e hipertensão, estão relacionadas à pobreza e, portanto, também são mais comuns entre negros. De acordo com os pesquisadores, entre os pacientes brancos hospitalizados em decorrência de infecção por coronavírus, nos primeiros cinco meses da pandemia, 50% tinham diabetes. Entre pretos e pardos, esse percentual era de 56% e 53%, respectivamente.

Embora a maior vulnerabilidade dos negros seja marcante em todo o país, os dados de mortalidade excessiva direta ou indiretamente associados à covid-19 revelam nuances locais importantes. A diferença entre as taxas de mais mortes de negros e brancos por causa da pandemia chegou a 10,9 pontos percentuais no Sul, que também é a região mais desigual na taxa de sobrevivência Ifer.

Menor disparidade no Norte do país

No Norte, a situação se inverte: as mortes direta ou indiretamente associadas à covid-19 foram maiores entre brancos do que entre pretos e pardos. No índice de Folha, a região também aparece com a menor disparidade entre os dois grupos, embora um pouco desfavorável aos negros.

"Não se pode desconsiderar a hipótese de que essas diferenças regionais são, em parte, fruto do racismo, que tende a ser maior onde os negros são minoria?.
Fátima Marinho

Os pretos e pardos representam 26% da população no Sul e 79,5% no Norte. A pesquisa mostrou que os negros tendem a receber cuidados de saúde de pior qualidade do que os brancos no Brasil.

Leia tambémPopulação negra brasileira à deriva e sem políticas públicas

Estudo de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com base em registros de nascimentos entre 2011 e 2012, revelou, por exemplo, que, entre as brasileiras negras, 17,5% realizaram peregrinação em busca de vaga em hospital para dar à luz e 10,7% não receberam anestesia para episiotomia. Entre as mulheres brancas, esses percentuais caíram para, respectivamente, 13,7% e 8%.

Situações como essas podem ocorrer tanto por discriminação direta quanto por preconceitos inconscientes, como a crença infundada de que as mulheres negras sentem menos dor. Mas também existem problemas decorrentes do chamado racismo institucional, que se refere às práticas cotidianas das organizações que alimentam as desigualdades.

Política Nacional de Saúde Integral da População Negra

O reconhecimento desse cenário, em grande parte devido à pressão do movimento negro, levou o Ministério da Saúde a tomar uma série de iniciativas nos anos 2000 que culminaram com a adoção da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) em 2009 . Seu objetivo é que as três esferas de governo trabalhem juntas para garantir desde a coleta de informações básicas até a formação de profissionais contra práticas racistas, sejam elas conscientes ou não.

Embora o foco da PNSIPN seja a melhoria da saúde dos pretos e pardos, o caráter universal do SUS faz com que brasileiros de todas as cores e raças se beneficiem de suas políticas. Apesar dos possíveis efeitos positivos da PNSIPN, não há avaliação oficial de sua implementação e eficácia. Batista, da Abrasco, liderou um grupo que definiu uma metodologia de avaliação da política e foi a campo tentar mapear a aderência a ela.

O resultado da pesquisa, realizada em 2017 com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), não foi animador. Apenas 32 dos mais de 5.500 municípios responderam às perguntas. Entre as 27 UFs, apenas 7 deram feedback aos pesquisadores.

Estudiosos relataram que há funcionários que não solicitam informações sobre cor ou raça ?cruciais para a formulação de políticas adequadas? por medo de que o pedido seja interpretado como uma manifestação de racismo. É esse tipo de mal-entendido que a PNSIPN se propõe a mudar, caso seja efetivamente implementado.

Com informações do jornal Folha de S.Paulo



0 Comentário:


Nome: Em:
Mensagem: