Psicopata à solta escancara crise na segurança pública
por: Mariane Del Rei e Nicolas Bonvakiades
Após 13 dias de buscas, forças de segurança pública ainda procuram nesta segunda-feira (22) por Lázaro Barbosa de Sousa, 32, acusado de assassinar brutalmente uma família no Distrito Federal e foragido desde 9 de junho. Conhecido como "serial killer do DF? e dono de extensa ficha criminal, ele é descrito pelas autoridades como um psicopata.
O fracasso nas buscas por Lázaro deixa à mostra a crise na segurança pública brasileira. O mais recente episódio remete a outro caso de apelo nacional que evidenciou o despreparo da polícia: o Caso Eloá. O sequestro mais longo da história de São Paulo ocorreu em 2008. Eloá Pimentel tinha 15 anos e foi morta pelo ex-namorado, Lindenmberg Alves, após ser mantida refém por mais de cem horas no apartamento em que morava em Santo André, no ABC paulista.
A atuação da polícia foi amplamente criticada e expôs o despreparo: o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) não tinha equipamentos avançados de escuta e os agentes que monitoravam a situação de dentro do apartamento vizinho usavam copos de vidro e um estetoscópio médico para ouvir as conversas no cativeiro. Quando a polícia invadiu o local, a menina de 15 anos levou um tiro no rosto. Na hora de entrar, os policiais explodiram a porta, mas uma mesa bloqueava a passagem, atrasando os planos e dando tempo para Lindemberg atirar.
Especialista analisa a crise na segurança pública
Ao cruzar os dois casos há um ponto em comum: a mediocridade da segurança pública no país. Em entrevista exclusiva ao Socialismo Criativo, o doutor em Direito e especialista em Ciências Criminais, Fernando Alves, apontou que o resultado dos dois casos são reflexos de uma polícia forjada na ditadura militar e da falta de investimento em inteligência policial.
Alves fala com conhecimento de causa, é delegado da Polícia Civil do Rio Grande do Norte. Ele comenta que desde a redemocratização do país e a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve pouquíssimas iniciativas para a reformulação da Segurança Pública. As que ocorreram foram tímidas e ineficazes. O resultado, aponta o especialista, são as péssimas consequências da atuação das polícias, com uso excessivo de força e pouca qualificação, preparo e formação desses agentes.
"30 anos depois, ainda presenciamos uma polícia moldada nas heranças ditatoriais, que tem como tática de obtenção de provas, sessão de tortura, ato que é inadmissível, pois desrespeita os Direitos Humanos e produzem provas rasas, inválidas, que serão questionadas em juízo. Para modificar esse modelo anacrônico de segurança é necessário a promoção de políticas públicas voltadas para a Segurança, para que as Forças possam, efetivamente, proteger a vida das pessoas?.
Fernando Alves
Buscas por criminoso têm sido ineficazes
Até o momento, a busca por Lázaro mobilizou centenas de agentes de segurança de Goiás e do Distrito Federal. O foragido, supostamente, se esconde numa área de mata há quase duas semanas e desafia as autoridades locais, que tentam capturá-lo com operações diárias.
Segundo as autoridades, Sousa é experiente em se movimentar em uma região de muitas chácaras e de mata e, por isso, vem conseguindo furar o cerco policial. "Ele conhece muito bem a área?, disse o secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda. "É mateiro e está fazendo esforço enorme para se esconder e fugir da polícia?.
Até o momento, Lázaro conseguiu escapar de uma força-tarefa formada por cerca de 300 agentes, mostrando assim, a fraqueza e o despreparo da segurança pública.
Desmonte do mito do armamento contra violência
Com o argumento de que a população está mais segura quando armada, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) promoveu nos dois primeiros anos de governo uma série de medidas para aumentar o poder de fogo dos brasileiros.
Driblando a necessidade de o Congresso aprovar novas leis, foram editados mais de 30 atos normativos, como portarias e decretos presidenciais, para desburocratizar e ampliar o acesso a armas e de munição que podem ser adquiridas por cidadãos comuns e por aqueles que têm registro de CAC (colecionador, atirador e caçador), assim como liberar a essas pessoas o acesso a armamentos de maior potencial ofensivo, como fuzis.
Embaladas pelo discurso da família presidencial de forte apologia ao uso de armas, essas ações têm dado resultados. Estatísticas da Polícia Federal e do Exército ? órgãos responsáveis pelo registro de armamentos ? mostram que os brasileiros estão se armando como nunca antes, porém a violência não diminuiu.
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Os novos registros de CAC concedidos pelo Exército bateram recorde em 2019 e 2020, somando 178.721, quantidade que supera todos os registros liberados nos dez anos anteriores (150.974 de 2009 a 2018).
Já o registro de novas armas pela Polícia Federal também bateu dois recordes consecutivos, somando 273.835 na primeira metade do governo Bolsonaro, sendo quase 70% referentes a registros obtidos por cidadãos (o restante inclui categorias como servidores públicos com direito à porte, revendedores e empresas de segurança privada).
O número significa um aumento de 184% frente à soma de 2017 e 2018 (96.512) e supera o total dos seis anos anteriores a Bolsonaro (265.706 de 2013 a 2018).
Enquanto o impacto do governo Bolsonaro no maior armamento da população é inegável tanto para apoiadores como para críticos da sua política armamentista, os dois grupos travam uma batalha sobre quais os impactos dessa nova realidade para a violência e a criminalidade no país.
Mortes por armas de fogo aumentam com armamento
De um lado, pesquisadores da segurança pública dizem que estudos científicos deixam claro o aumento das mortes provocadas por mais armas em circulação. De outros, os entusiastas do uso de armas para autoproteção citam a queda acentuada dos homicídios no Brasil em 2019 para sustentar que a população mais armada contribuiu para a redução da violência ? esquecendo de mencionar, porém, a volta do aumento dos assassinatos em 2020 (alta de 5%, segundo dados preliminares), justamente quando o consumo de armas acelerou ainda mais.
Estudiosos da segurança pública, por sua vez, dizem que a queda nos homicídios ? que tiraram a vida de 45.433 pessoas em 2019 no Brasil, após o recorde de mais de 65 mil mortes em 2017, segundo estatísticas oficiais do Datasus ? reflete outros fatores, como envelhecimento da população (homicídios são mais comuns entre os mais jovens), melhores políticas estaduais de combate à violência e tréguas no conflito entre entre facções criminosas.
Apesar disso, a associação entre mais armas e menos homicídios tem sido exaltada nas redes sociais por parlamentares, como os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Caroline De Toni (PSL-SC) e Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC).
Em um dos posts do filho "zero dois? do presidente, ele compartilhou um gráfico mostrando o aumento das armas no país em 2018 e 2019 e a queda dos homicídios no mesmo período, acompanhada da seguinte mensagem: "O estatuto do desarmamento deixou os bandidos mais à vontade. Resultado: aumento no número de homicídios. A flexibilização no aceso (sic) às armas resultou, junto com outras políticas, na diminuição histórica de homicídios, dentre outros crimes?.
?Política de armas é como a da Covid-19: anticientífica?
O Estatuto do Desarmamento citado por Eduardo Bolsonaro é uma lei de 2003 que criou regras mais restritivas para acesso a armas e penas mais duras para porte e posse ilegal ? segundo pesquisas que analisaram seu impacto, houve redução da taxa de crescimento nas mortes por armas de fogo após o estatuto, em especial em Estados como São Paulo, que adotaram medidas mais rigorosas de retirada de armas das ruas.
Ou seja, esses homicídios seguiram crescendo, mas em ritmo menor. Segundo a edição mais recente do Atlas da Violência, publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa média anual de crescimento das mortes por armas de fogo passou de 6% entre 1980 e 2003 para 0,9% nos quinze anos após o Estatuto do Desarmamento (2003 a 2018).
Com isso, após a proporção dessas mortes no total de homicídios do país dar um salto de 40% no início dos anos 80 para para 70,9% em 2013, manteve-se nesse patamar nos anos seguintes (foi de 71% em 2018). Se o ritmo de crescimento tivesse se mantido no mesmo nível de antes do estatuto, as mortes por armas de fogo já teriam ultrapassado o patamar de 80 mil em 2018, diz ainda o Atlas da Violência ? naquele ano o número ficou em quase metade disso (42.754, segundo números do Datasus).
"A política de armas do Bolsonaro representa muito o que ele anda fazendo também com covid-19. O que as duas políticas têm em comum? Primeiro, são políticas anticientíficas, que desprezam a ciência. E, segundo, são políticas irresponsáveis e que levam ao aumento de mortes no país?, afirma o economista Daniel Cerqueira, idealizador do Atlas da Violência e que no momento está cedido pelo Ipea para presidir o Instituto Jones dos Santos Neves.
Tiros a esmo mostram despreparo das forças de segurança
Relatos apontam que Lázaro Barbosa de Sousa invadiu outras propriedades no DF e em Goiás, trocou tiros com um funcionário de uma fazenda, roubou armas e veículos e obrigou um caseiro a cozinhar e fumar maconha com ele.
Um vídeo gravado na tarde de terça-feira (15) mostra que a polícia esteve próximo do assassino, chegando a trocar tiros com ele e mesmo assim, não conseguiu capturá-lo. As imagens mostram o momento em que policiais civis e militares do Distrito Federal e de Goiás encontram três pessoas da mesma família reféns de Lázaro.
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No vídeo é possível ver pai, mãe e filha deixando uma mata fechada, em Edilândia (GO), pelo leito de um rio. Quando eles são resgatados, ouve-se, pelo menos, quatro tiros, que teriam sido disparados por Lázaro contra os policiais e as vítimas, que imediatamente tentam se proteger dos disparos.
Forças de segurança escancaram racismo religioso
Por causa da crueldade dos crimes, o maníaco está sendo chamado de "satanista? pela polícia do Distrito Federal. Relatos sobre supostos rituais e declarações de que ele estaria "possuído? repetem um enredo bastante conhecido no país, que liga mortes violentas a sacrifícios e cultos.
Nas redes sociais, internautas apontaram como racista a fala do delegado ligando objetos encontrados na casa de Lázaro a rituais satânicos. Entre outros objetos, as imagens divulgadas mostram um assentamento para Exu, uma representação do orixá no mundo material. Exu é um orixá cultuado em religiões de matriz africana, frequentemente associado ao demônio por religiões cristãs, o que configura racismo religioso.
A especialista em religiosidade Rafaela Barbieri disse que é preciso tomar cuidado com esse tipo de declaração preconceituosa. "Terreiros são depredados por conta de boatos e acusações infundadas. Orixás são uma coisa e divindades católicas são outra. O diabo ou demônio é uma figura ligada ao cristianismo. Exu não é o diabo?, afirmou.
Gastos desnecessários gerados por erros da polícia
Com as falhas recorrentes das táticas e estratégias básicas como cerco a perímetros, a polícia recorreu a drones equipados com infravermelho e até um helicóptero foi utilizado para tentar identificar o "assassino em série?. Antes, a operação que estava voltada para o povoado de Edilândia, e agora, se cerca para a comunidade de Girassol.
Capaz de identificar movimentos no meio da mata, a tecnologia está sendo usada principalmente à noite. É nesse período, afirma a coordenação da força-tarefa, que Sousa abandona os lugares onde se esconde durante o dia para buscar alimentos e continuar a fugir do cerco policial.
"Estamos utilizando os drones para tentar, principalmente à noite, visualizar algum movimento dele?, disse o secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda.
"Temos a informação de que ele se movimenta à noite. Então esses drones podem captar algum movimento em alguma clareira, em algum ponto aberto nessa mata?.
Rodney Miranda
Perante os erros crassos e corriqueiros das polícias do DF e de Goiás, o Ministério da Justiça enviou na quinta-feira passada (17) um grupo de 20 integrantes da Força Nacional para ajudar no trabalho de captura do suspeito.
Segurança pública é ridicularizada na internet
O governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, disse na quarta-feira (16) que Lázaro está fazendo "quase de bobas? as forças policiais envolvidas na sua busca.
Além dos drones e do helicóptero, o cerco ao rapaz inclui ainda cães farejadores, cavalaria da polícia, blitz nos veículos que circulam pela região e policiais especialmente treinados em ambiente de catinga e cerrado.
Mas demora para que a polícia consiga prender o criminoso, mesmo com tantos aparatos e nenhum sucesso na captura de Lázaro, fez com que o assunto virasse piada nas redes sociais, fato que ridiculariza a segurança pública e expõe ainda mais a sua fragilidade.
Moradores fazem almoço para policiais
Diante do pavor e do medo, moradores do Incra 9, em Ceilândia (DF) e de Edilândia, povoado de Cocalzinho (GO) se uniram para alimentar os integrantes das forças de segurança que atuam na captura de Lázaro Barbosa.
O almoço foi na Capela Nossa Senhora de Fátima, em Edilândia. Dilacerado pela perda dos amigos, o produtor rural Robson Pereira da Silva, 50 anos, vizinho da família Vidal, brutalmente assassinada na madrugada de 9 de junho, viajou de Ceilândia a Edilândia para doar alimentos e gás de cozinha para os voluntários que se organizaram para fazer o almoço.
"Ficamos sabendo a capela da igreja fez um jantar para alimentar os agentes e decidimos ajudar, trouxemos gás e alimentos. Estamos voltando para Ceilândia apenas para buscar mais gás de cozinha e trazer para a capela?, conta Robson.
Pazuello quis extinguir apoio a transtornos mentais
Em junho de 2020, o ex-ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a extinguir o serviço especializado criado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) para acompanhar presos com transtornos mentais, boa parte deles detida ilegalmente em presídios e em hospitais de custódia.
Numa canetada, Pazuello tinha acabado com o chamado Serviço de Avaliação e Acompanhamento de Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei, existente desde janeiro de 2014. A portaria que extinguia o serviço foi assinada pelo ministro interino em 18 de maio de 2020, que é exatamente o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
Após receber duras críticas, Pazuello voltou atrás e revogou sua decisão de extinguir o serviço do SUS. Em portaria publicada do dia 14 de julho de 2020, no Diário Oficial da União, Pazuello anulou o ato de sua autoria que acabava com a iniciativa existente no SUS desde janeiro de 2014. Ele levou em conta, como consta na portaria, a "pertinência da manutenção de ações para populações vulneráveis? e uma recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos.
O serviço do SUS financia equipes médicas ? formadas por psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, assistente social e terapeuta ocupacional ? para acompanhar detentos em cumprimento de medidas de segurança ou à espera de um exame que ateste a existência de transtornos mentais.
Na época, o líder do PSB na Câmara, Danilo Cabral (PSB-PE), foi autor de um Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de Atos para sustar os efeitos da portaria de Pazuello.
Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou, em nota, que a extinção do serviço fragilizava a política de saúde mental na Justiça; impactava a atuação do Judiciário, das administrações penitenciárias e dos órgãos de segurança pública; e deveria ter sido discutida com a sociedade.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), instaurou um procedimento para investigar o ato do general.
Também houve reação contrária do Conselho Nacional dos Direitos Humanos; do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT); Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege); 18 Defensorias Públicas nos estados; Defensoria Pública da União (DPU); Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs); e de mais de 100 entidades, associações e organizações com alguma atuação na área.
Com informações do jornal Folha de S. Paulo, R7, Uol e O Globo
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