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#ElasQueLutam: ?Temos que seguir na luta?, diz Valneide Nascimento

por: Jaqueline Nunes


Valneide Nascimento ? (Foto: Humberto Pradera)

Oriunda do Quilombo Sapê do Norte, no interior do Espírito Santo, Valneide Nascimento dos Santos é uma das representantes incansáveis do partido. Secretária Nacional da Negritude Socialista do PSB, ela já rodou o país diversas vezes para organizar o segmento partidário em capitais e municípios. Entusiasta da juventude, ela também não deixa de reconhecer as figuras históricas que, ao longo dos seus mais de 20 anos de legenda, ajudaram a manter sua negritude viva, atuante "com voz e voto?, como ela se orgulha em dizer.

Adotada com um ano de idade por uma família atuante na política de Linhares (ES), Valneide desenvolveu cedo a vontade estudar e não tardou a aproveitar todas as oportunidades que apareceram para orgulhar seus pais quilombolas.

Participou ativamente de diversas conquistas do movimento negro, como a criação da Secretaria Especial de Políticas de Igualdade Racial (Sepir), em 2003. Além de ter criado, juntamente com outros militantes, o segmento de negritude do seu único partido.

Na série especial #ElasQueLutam, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, celebrado no dia 8 de março, o Socialismo Criativo entrevistou a cientista contábil, administradora de empresas, bacharel em Direito e dirigente partidária Valneide Nascimento, membro da Executiva Nacional socialista e mulher que luta por um país mais justo e igualitário.

Socialismo Criativo ? Como começou a sua jornada na política?

Valneide Nascimento ? A política na minha vida chegou de algumas formas. Tive contato com o sentido mais amplo da palavra, com a pegada da política enquanto relação entre pessoas e instituições em 1993, em uma formação da Escola Superior de Guerra (ESG) das Forças Armadas, voltada à estratégia política. No ano seguinte, passei 11 meses na ESG do Rio de Janeiro, aprofundando esse conhecimento, e confirmei que era por meio da política que eu atuaria e buscaria as transformações sociais que considero importantes.

Com política partidária, eu tive contato desde sempre, porque meus pais adotivos eram pessoas muito influentes na cidade. Eles tinham comércios, uma instituição de ensino e participavam da vida política do município. Foi nesse meio que cresci. Mais efetivamente em 1996, minha mãe adotiva foi candidata a vereadora e participei dessa construção. Na mesma eleição, meu primo coordenou uma das candidaturas à Prefeitura e esse contexto acabou despertando o meu interesse na construção por meio dos mandatos.

Socialismo Criativo ? Como foi sua entrada no PSB e em que momento a questão racial se tornou sua luta prioritária?

Valneide Nascimento ? O PSB foi o primeiro e único partido em que me filiei, em 1997. Foi um convite do meu querido amigo e companheiro Renato Casagrande quando ele ainda era vice-governador do estado. Como sempre fui inquieta, ficava observando os militantes dos outros partidos de esquerda, principalmente o PT e PCdoB, discutindo o que eles chamavam de "políticas de combate ao racismo? e comecei a estudar sobre isso.

Descobri que eu não sabia nada, nunca tinha lido um livro sobre o assunto, nunca discuti. A verdade é que eu fui criada em um ambiente muito livre desse preconceito e sempre fui muito preservada por meus pais adotivos que, mesmo brancos, nunca me fizeram passar, nem me deixaram passar, por qualquer tipo de discriminação racial, então não pensava nisso. Só em 1997 descobri essa outra sociedade. Eu já era concursada e fui convidada para trabalhar na Prefeitura de Vitória. Nesse trabalho, o prefeito da época criou o Conselho Municipal do Negro (CMN), do qual me tornei secretária-executiva. Foi outro impulso muito grande na minha vida, porque ali eu tive contato com os maiores pensadores da política antirracista capixaba. O que eles discutiam ali, as lutas, as construções, as religiões de matriz africana, foi o que precisava para me envolver verdadeiramente na pauta racial.

Fora esse contexto, passei algum tempo questionando o porquê de meus pais terem me dado para adoção, querendo saber o que tinha de diferente dos meus irmãos para não terem me mantido no quilombo com eles. Com muito amor, meus pais adotivos foram me explicando que as condições de vida deles eram muito precárias e que a atitude deles foi, na verdade, um grande sacrifício para que eu tivesse uma vida melhor. Quando entendi isso, lá nos meus 10 anos de idade, comecei a estudar e fazer de tudo para aproveitar a oportunidade que meus pais quiseram tanto que eu tivesse.

Socialismo Criativo ? Ao longo de sua trajetória no PSB, quais acontecimentos considera mais importantes?

Valneide Nascimento ? O principal foi em 2003 quando, ainda para nosso saudoso companheiro Miguel Arraes, apresentamos a construção do Movimento Negro Socialista do Partido Socialista Brasileiro. E tem uma história curiosa porque, logo depois de lançarmos esse nome, criaram um Movimento Negro Socialista em São Paulo ? que não era do PSB ? e era contra as cotas. Aí para não sermos confundidos, mudamos o nome para a atual Negritude Socialista Brasileira (NSB) em um Congresso do partido em Pernambuco, em 2006.

A criação da NSB foi uma luta muito grande. Só para conseguir falar com Arraes levamos seis meses. Na época, falamos com muitos políticos e pessoas influentes do partido, recebemos muito apoio. Mas, acho fundamental destacar, que o grande "padrinho? da NSB foi o Carlos Siqueira. Como militante, ele vestiu a camisa, conversou e defendeu a necessidade dessa representação no partido.

A proporcionalidade de negros e negras nas eleições a partir de 2020, estabelecida pelo STF [Supremo Tribunal Federal], também foi uma conquista coletiva de diversos dirigentes partidários negros que me orgulha muito. Essa representatividade é muito importante e uma ação direta para atingirmos um estado mais igualitário. Assim como o Projeto de Lei que garante uma porcentagem de 5% do fundo partidário para manutenção dos segmentos negros organizados dos partidos. Esse projeto, fizemos com o senador João Capiberibe (PSB-AP). Essas ações são importantes porque garantem recursos para nossas candidaturas, porque muitas vezes só somos lembrados para balançar bandeira, mas na hora de dividir e alcançar os espaços, não estamos lá.

O curso de Formação Política da Negritude também é um divisor de águas. Fizemos esse curso com três representantes da negritude em cada estado. A formação foi construída com capital intelectual da NSB. Juntamos nossos militantes dentro de suas formações e tratamos de diversos temas: saúde, política, educação, economia, enfim, diversos temas. Ele foi pensado em 2017, organizamos em 2018 e 2019. Ele, inclusive, está na plataforma da Fundação João Mangabeira (FJM) à disposição de todos.

Socialismo Criativo ? Na sua atuação partidária, qual momento lhe é mais memorável? (Se houver, um positivo e um não positivo).

Valneide Nascimento ? Fico muito feliz e orgulhosa de dizer que são muitos momentos memoráveis. A criação da NSB, como eu disse, foi um dos principais. O primeiro Encontro Nacional de Negros e Negras do PSB, em 2006, também foi um marco para mim. Naquele momento, nós verdadeiramente estruturamos o segmento. No mesmo ano, outro momento memorável foi o resultado das eleições, com muitas candidaturas importantes que foram fruto de uma mobilização partidária, de muita luta, como a de Eduardo Campos para o governo de Pernambuco e de Casagrande no Senado pelo Espírito Santo.

Ao mesmo tempo, estar em um partido político, ser dirigente, te coloca em contato com muitas pessoas que nem sempre estão dispostas a oferecer tanto quanto querem receber. Para muitos, partido é agência de empregos, lugar de conchavos, de interesses pessoais, apenas. E, na verdade, é uma luta muito grande, a gente abre mão de muita coisa na nossa vida quando nos dedicamos de verdade a construir um projeto nacional, como é a NSB. Então, ao longo do tempo, sofri muito com ingratidão e outros problemas. Mas, hoje me sinto mais fortalecida para passar por isso.

Fora isso, não podemos nunca deixar de citar a perda do nosso querido Eduardo Campos, que foi o momento mais triste do PSB até hoje, pela precocidade da morte, pelo choque inesperado. Tudo o que vivemos hoje poderia ser diferente se ele ainda estivesse vivo, porque ali ele estava iniciando sua trajetória para a presidência da República. Ele estava pronto e preparado para levar o Brasil para outro patamar.

Socialismo Criativo ? Na sua autorreforma o PSB inclui o capítulo "Emancipação e empoderamento dos negros?. Você participou da construção destas teses? Como foi esse trabalho?

Valneide Nascimento ? Participei, sim. Enviamos uma minuta com todo o diagnóstico da NSB sobre a situação dos negros e negras hoje no país, falando sobre quais temas consideramos fundamentais no novo programa do partido. Reunimos toda a nossa Direção Nacional nessa construção e cada um trouxe pontos específicos de cada região. Eu faço questão dessa dinâmica coletiva em todos os processos da Negritude porque sozinho é muito mais difícil construir coisas sólidas. Eu gosto de ouvir o máximo de opiniões possível, principalmente as que divergem do que eu penso.

Então, esse documento enviado para a Comissão Organizadora da Autorreforma foi construído ao longo de diversos encontros e muita discussão.

Socialismo Criativo ? Na tese 388 da Autorreforma, o PSB afirma que "defende a necessidade do aumento da representação dos negros e negras nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e, nos demais espaços de poder, deve superar a afirmação meramente casual e se converter em ações concretas.? Quais ações você considera mais urgentes para se atingir esse objetivo?

Valneide Nascimento ? Nessa tese, entendo que, quando o PSB afirma que defende essa maior participação dos negros nesses espaços, ele passa a se comprometer e fazer com que esses mandatos deixem de ser frutos da causalidade e passem a ser resultado de ações concretas do partido. Isso me deixa muito feliz porque é um compromisso, não é uma luta de um, uma, outro ou outra militante simpático à causa. É algo que está dentro do programa do PSB. É algo que demanda mais participação de negros dentro dos diretórios e executivas estaduais, municipais e nacional. E, para isso, o PSB terá que investir em algo que consideramos o mais urgente para nossa legenda, que é a formação política. Precisamos formar militantes e temos a FJM para nos proporcionar isso.

Socialismo Criativo ? Atualmente as pessoas têm uma visão muito negativa da política, principalmente as mais pobres, que diante das crises, são as mais prejudicadas. Como manter um segmento de um partido político atuante e representativo neste cenário?

Valneide Nascimento ? É verdade. Apesar das redes sociais darem a oportunidade para as pessoas se expressarem sobre os fatos políticos que ocorrem no país, a população está cada vez mais afastada da política partidária. Isso acontece muito porque elas foram levadas a acreditar que os partidos são todos corruptos, que a política é toda suja. Só que esse afastamento só favorece, justamente, esses corruptos sujos.

Atualmente, temos um governo que não nos representa, que nega os direitos dos negros e negras do Brasil, que nega e ofende os quilombolas, desrespeita os povos originários e seu território, enfim, que significa tudo que nós repudiamos. Mas seguimos, né? Nós temos que criar atalhos e seguir a luta. Além dos debates partidários seguimos por meio dos movimentos sociais, fóruns, conferências, debates livres e outros espaços para garantir que a pauta siga sempre latente na sociedade, que o debate não se esvazie.

Sabemos também que as instituições partidárias ainda são dominadas em suas direções por homens, brancos, héteros, cis, não jovens. Então nunca vamos deixar de lutar para oxigenar esse ambiente, de ir nas bases, de trazer lideranças comunitárias. E olha que eu falo do PSB, que é um partido que está realizando um trabalho imenso de reconstrução, avaliação, atualização. E esse é um dos caminhos e uma facilidade para nós, socialistas, porque estamos em uma legenda que percebeu logo essa necessidade de renovação de seus programas.

Socialismo Criativo ? O presidente Bolsonaro foi eleito com um discurso homofóbico, machista e muito racista. Assim como ele, as pessoas têm naturalizado falas desse tipo e reproduzido racismo como "opinião?. Acha que estamos regredindo enquanto sociedade menos preconceituosa com ele no poder? Como faremos no pós-bolsonarismo para retomar os avanços conquistados em gestões anteriores?

Valneide Nascimento ? Sem dúvida, há um retrocesso e espero que esse pós-bolsonarismo chegue o mais rápido possível.

Nós, negros, somos maioria da população do Brasil e eu acredito nessa população. Essa retomada tem que ser feita com muita sabedoria e seriedade, até para consertarmos o que não foi feito de maneira ideal. Grande parte dos avanços que apontamos hoje da população negra foram feitos na gestão do presidente Lula. Participei de diversos momentos, como na construção da Sepir [Secretaria Especial de Políticas de Igualdade Racial], das Conferências, Fóruns, debates com quilombolas, vi tudo isso nascer.

Por isso acredito, sim, que nós conseguiremos retomar. E acredito mais, o PSB vai encabeçar uma chapa que vai construir essa retomada das políticas sociais no país como elas devem ser. Porque, desse genocida chamado Bolsonaro, não podemos esperar nada, não iremos avançar. Ele não nos enxerga, não tem sentimento, só quer saber de favorecer interesses pessoais e de seus filhos. Ele não entende a população como parte do "ser nós?. Ele não fala em nós, diferente de nós, negros, que vivenciamos o aquilombamento, a comunidade, e vivemos como parte do todo maior.

Mas, eu acredito, o nosso Brasil vai sim sair desse bolsonarismo e voltaremos a avançar com políticas públicas participativas e inclusivas, principalmente com a juventude. Afinal, eles são a nossa garra, nossa esperança, nosso brilho, nosso sol, é a transformação, a tecnologia. Viva a juventude! Vocês me representam.

Socialismo Criativo ? Num possível governo PSB no âmbito nacional, quais medidas antirracistas acredita que devem ser priorizadas e por que?

Valneide Nascimento ? Esse sonho está sendo construído e cada vez mais próximo de ser realizado. E, como medida antirracista principal, não há outra senão a educação. Porque a educação transforma, a educação liberta, a educação é o sonho, a esperança.




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