Instituto Pensar - por: Nathalia Bignon e Ivan Chicoski

por: Nathalia Bignon e Ivan Chicoski



Funerária SOS remove o corpo de Vicente Oliveira dos Santos (72) com problemas de saúde pré-existentes que faleceu em sua casa em meio à nova pandemia de coronavírus em Manaus ? (Foto: Libération)

A edição impressa do jornal francês Libération desta quarta-feira (3) estampou a tragédia sanitária que abala Manaus, durante a segunda onda da pandemia do coronavírus. Na matéria ?Soixante-douze heures à Manaus«capitale mondiale» du Covid? (Setenta e duas horas em Manaus, ?capital mundial? da Covid?, em tradução literal), o jornal relata o cenário de caos, com "fileiras e mais fileiras de novas sepulturas? sob o sol escaldante da Amazônia, onde "Manaus se enterra? com apoio das escavadeiras mecânicas, usadas para dar agilidade aos enterros registrados na capital amazonense.

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Depois de visitar o cemitério de Tarumã, o maior da cidade, a repórter Chantal Rayes relata que o número de enterros diários cresceu quatro vezes mais do que antes da epidemia assolar Manaus, onde uma nova variante do vírus foi detectada.

Com a maior taxa de infecção do vírus do Brasil, ela destaca que o Brasil, o terceiro país mais afetado em número de casos e o segundo em número de óbitos, ultrapassa as 220 mil mortes e 9 milhões de casos da doença. "Todos os dias, cerca de 1.500 novas mortes são confirmadas lá?.

Rede pública e privada em colapso

Citando especificamente a situação do Amazonas, Rayes afirma que com seus 2,2 milhões de habitantes, só a capital concentra cerca de 50% da população amazonense. A chegada de pacientes, que também vêm de outras localidades ? sem leitos de terapia intensiva ? está testando as já inadequadas estruturas de atendimento?.

Depois da saúde privada ser a primeira a primeira a colapsar, ela relata ainda que a rede pública, mesmo com a criação de novos leitos, não suporta a alta demanda de internações. "Hospitais e departamentos de emergência estão sobrecarregados, há falta de equipe de saúde e oxigênio médico, necessários para tratar a insuficiência respiratória causada pela Covid-19. Em 14 de janeiro, quando o precioso gás acabou, vários pacientes morreram asfixiados?.

"Clovis Rodrigues Vieira é o patriarca de uma família de oito filhos. Ele não come mais, não mais urina, geme de dor. Sua esposa está soluçando, tossindo alto. Ela também está infectada. Seu filho aponta para a casa em frente?, descreve em outro trecho, no qual traduz a fala do manaura: "Esta mesma manhã, o paciente morreu em casa?. "Privados de cuidados, muitos estão condenados a morrer em casa?, diz a jornalista.

O erro da ?imunidade coletiva?

Após ter acredito que havia superado a primeira onda da pandemia, em abril, e alcançado a imunidade coletiva, a correspondente francesa aponta que o número de casos e mortes diminuiu continuamente, apesar da reabertura de empresas e escolas. "Os dois hospitais de campanha foram fechados?.

Citando o polêmico estudo que sinalizou que até 76% dos moradores da cidade desenvolveram anticorpos, o jornal também afirma que a publicação, em setembro do ano passado, contribuiu para o abandono de medidas como o distanciamento social que nunca teve muita adesão da população.

"Diante da repercussão da doença, seus autores agora querem ser mais cuidadosos: ?a imunidade coletiva pode não ter ocorrido?, escreveram os cientistas responsáveis, em meados de janeiro, na publicação científica Science. Vimos uma rápida queda nos anticorpos em Manaus, onde os eventos revelam a tragédia do vírus?.

Negacionismo contagioso de Bolsonaro

Sob pressão da comunidade empresarial, o diário fundado com apoio de Jean-Paul Sartre relata que na "véspera das celebrações de fim de ano, o governador Wilson Lima, aliado do presidente Jair Bolsonaro, havia de fato emitido um decreto restabelecendo a quarentena?, mas foi pressionado a revogá-lo menos de vinte e quatro horas depois.

"Em meados de janeiro, porém, o comércio não essencial teve que ser encerrado e um toque de recolher foi imposto. Mas as chuvas que acontecem o ano todo, que obrigam as pessoas a se abrigarem em ambientes fechados, continuam sendo um fator estrutural na transmissão do vírus?.

Ainda abordando a tragédia registrada durante a primeira onda da pandemia, o diário salienta que "as necessidades de oxigênio dobraram. Agora elas quintuplicaram. O fornecedor contratado pelo Amazonas não tinha condições de fornecer. O governador não tomou nenhuma ação para evitar uma escassez inevitável em face do aumento dos registros de casos. Nem o Ministério da Saúde?.

No trecho em que destaca que o "relativismo mata?, a reportagem cita que o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante) chegou a declarar que o isolamento geográfico imposto à cidade teria atrasado o fornecimento de oxigênio. "Segundo ele, a culpa é dos ambientalistas, que se opõem à pavimentação da BR 319, único acesso terrestre a Manaus vindo do restante do país. O Amazonas, maior estado do Brasil, ?preserva 97% de sua floresta e nós somos penalizados por isso?, denunciou o bolsonarista?.

Ajuda a Manaus chega da Venezuela

"Ironicamente para a direita, foi preciso aceitar a mão estendida da vizinha Venezuela, de Nicolás Maduro. E na noite do dia 19 de janeiro, os caminhões fizeram uma entrada triunfal na cidade amazônica, com 130 mil m3 de oxigênio a bordo para hospitais públicos?, relata.

À frente, Rayes reproduz a conversa um auxiliar de enfermagem que atua no Hospital 28 de Agosto, um dos principais do Amazonas. "Nossa única esperança é a vacina. Ainda temos que convencer Bolsonaro, cético em relação à vacina e ao perigo do vírus?.

Popularidade de Bolsonaro em queda

Com a crise de Manaus e os erros da campanha de vacinação, o jornal enfatiza que a popularidade do presidente está diminuindo, enquanto crescem os números de pedidos de sua destituição. "Isso é tudo culpa do Bolsonaro?, repreendeu outro entrevistado. "Ele minimizou a gravidade do vírus. Aqui está o resultado. O relativismo mata!?.

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"Principalmente neste Norte que permanece como bastião da liderança da extrema direita brasileira. Com a crise, floresceu um mercado paralelo de oxigênio médico domiciliar, com muitos pacientes sem acesso a hospitais. O garrafão ? vazio ? é trocado a preço de ouro. Para recarregar, paga-se o equivalente a 60 euros por 5 litros, o suficiente para respirar três ou quatro horas apenas?, destaca o jornal.



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