Antonio Risério: ?É preciso recuperar o sentido de nação?
Em entrevista para o Gazeta do Povo, o antropólogo e historiador baiano Antonio Risério imprime em tudo que escreve o traço que mais admiro nos intelectuais, hoje raríssimo: a independência. Com argumentos sempre cristalinos e fundamentados em vastíssima erudição, ele não hesita em criticar modismos e bandeiras caras ao meio acadêmico, como as políticas identitárias que estão jogando brasileiros contra brasileiros e corroendo nossa tradição desde sempre marcada pelo sincretismo e pela mesclagem.
O tema, que já tinha sido abordado no livro anterior de Risério, "Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária?, é explorado com mais profundidade no ambicioso ensaio "Em busca da nação?, recém-lançado pela editora Topbooks.
Risério revisita debates relevantes sobre a identidade nacional e lança um olhar ousado sobre momentos e episódios decisivos da formação do povo brasileiro, denunciando mitos e mentiras tanto da velha História oficial quanto do pensamento hoje hegemônico, dominado pela ditadura do politicamente correto e pela fragmentação multicultural.
Na entrevista, Risério ataca o tribalismo que destrói o nosso senso de coletividade, comenta a "bipolaridade? do povo brasileiro e diz não ter medo de cancelamento: "Carrego, como um dos meus lemas, uma coisa que foi dita pelo romancista negro norte-americano James Baldwin: podem me destruir, sim ? mas me vencer, não?
Embora seja difícil definir o conceito de nação, como você demonstra no seu livro, traços e valores compartilhados que faziam os brasileiros se reconhecerem como semelhantes parecem estar se perdendo. Há uma fragmentação em guetos e tribos, cada qual com sua agenda de exigências e todos apontando o dedo uns para os outros. Quais podem ser as consequências desse processo? Você enxerga alguma possibilidade de superação desse "projeto doentio de atirar brasileiros uns contra os outros??
ANTONIO RISÉRIO: Nós temos de pensar a nação como uma "totalidade contraditória?, como faziam os marxistas antigos. E ao mesmo tempo como uma conquista diária. É a célebre observação de Renan: uma nação é um plebiscito permanente. O que acontece é que, a partir da onda pós-moderna, nação virou sinônimo de opressão. O que interessa hoje, a moda agora em vigor, é a exacerbação da diversidade. Então, a fantasia hoje vigente é que, na realidade, você não tem nação, mas uma miríade de micronações ? a das bichas, a das lésbicas, a dos pretos etc. Esse modismo atual pulveriza o mundo. A gente perde, assim, o sentido da totalidade, da coletividade, porque isso passa a ser visto como opressão. Não importa mais o que a sociedade brasileira precisa, em termos de matriz energética ou de superação das assimetrias sociais, por exemplo. Não: o que importa são as reivindicações dos gays, as dos movimentos pretos etc. Tudo é setorializado, nesse novo tribalismo reacionário.
Você critica a moda das denúncias de "apropriação cultural?, incompatível com uma sociedade marcada desde sempre pelo sincretismo e pela mestiçagem. Como explicar esse modismo? Quais são os objetivos das pessoas que se dedicam hoje a "cancelar? quem não se comporta da maneira que elas querem?
RISÉRIO: Quando penso no assunto, às vezes me lembro de George Orwell, que dizia que há ideias tão estúpidas que só mesmo intelectuais são capazes de acreditar nelas. Essa conversa ignorante de "apropriação cultural? é um exemplo disso. É uma coisa que vem dos paralogismos pós-modernos e viceja na franja ou na periferia da intelectualidade, vale dizer, entre estudantes, professores, jornalistas, gente geralmente ignorante, mas que acha que é dona da verdade e que tem nas mãos o destino histórico da humanidade. Viceja, enfim, na universidade e na mídia supostamente letrada. Você junta o relativismo pós-moderno, a falta de perspectiva da esquerda depois do colapso da União Soviética e a herança contracultural de sacralizar tudo que não seja "o mundo branco ocidental? ? e dá nisso. A nossa tradição cultural sempre foi o avesso desse apartheid simbólico-cultural, do barroco de Gregório de Mattos e do Aleijadinho à antropofagia oswaldiana e ao tropicalismo.
Confira, na íntegra, a entrevista completa.
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