Instituto Pensar - MPF quer multa de R$ 20 milhões por 16 ofensas de Bolsonaro e ministros contra mulheres

MPF quer multa de R$ 20 milhões por 16 ofensas de Bolsonaro e ministros contra mulheres

por: Nathalia Bignon 


Foto: Alan Santos/PR

No início de agosto, o Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo ajuizou uma ação civil pública contra a União por 16 vezes em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus ministros proferiram ofensas ou foram misóginos desde o início do governo, em 2019. A ação pede o pagamento do valor de R$ 20 milhões como multa.

O pedido se baseia em episódios de ofensas a jornalistas e também de frases como a proferida em 25 de abril do ano passado sobre o turismo no Brasil.

"O Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro”, disse Bolsonaro a jornalistas.

O MPF pede a condenação da União à "reparação e também o pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais ou morais coletivos, ou ainda, danos sociais” por atos praticados por agentes públicos (presidente e ministros).

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A ação civil pública foi ajuizada no último dia 5, na Justiça Federal de São Paulo, que intimou a União Federal a se manifestar sobre o assunto. O processo está na 6ª Vara Cível Federal e ainda não há decisão se será acolhido pela Justiça. Segundo o site da Justiça Federal, ainda não há manifestação da União.

Declarações de Bolsonaro

O processo aponta dez declarações de Bolsonaro, uma delas proferida no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, durante a campanha eleitoral. "Não é questão de gênero. Tem que botar quem dê conta do recado. Se botar as mulheres, vou ter que indicar quantos afrodescendentes?”

As demais declarações são de Bolsonaro já no cargo de presidente da República.

Uma das citações de Bolsonaro diz respeito à desqualificação da obrigatoriedade de curso sobre conhecimentos sobre assédio sexual para inscritos em concursos públicos. "Não precisa fazer curso nesse sentido. Nos futuros editais, não teremos mais essa obrigatoriedade. Um conselho que dou a vocês é: se, porventura, alguém que for aprovado no concurso e for exigido esse diploma, você pode entrar na Justiça, que tu vai ganhar (sic). Se bem que vou tentar junto ao Banco do Brasil ainda para que se evite isso.”

Outra frase do presidente citada pelo Ministério Público trata da nomeação dos ministros, em março de 2019. "Pela primeira vez na vida o número de ministros e ministras está equilibrado em nosso Governo. Temos 22 ministérios, 20 homens e duas mulheres. Somente um pequeno detalhe, cada uma dessas mulheres que estão aqui equivalem por dez homens.”

Já no dia 6 de julho de 2019, Bolsonaro afirmou sobre a Amazônia: "O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer… desculpe aqui as mulheres aqui, tá?”

Menos de 15 dias depois, o presidente insinuou que uma repórter do jornal O Estado de S. Paulo, que lhe fez uma pergunta a qual ele não queria responder, era feia. "Pelo amor de Deus, né. Se eu te chamar de feia agora, acabou o mundo. Todas as mulheres vão estar contra mim.”

Em 29 de outubro, o presidente falou das mulheres em tom jocoso: "Todo mundo gostaria de passar uma tarde com um príncipe, principalmente vocês, mulheres, né?”. O príncipe em questão era Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, país que reprime os direitos das mulheres.

Em 9 de janeiro deste ano, o presidente atacou a forma física da deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), sua ex-apoiadora. Na citação, refere-se também ao deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), líder do MBL (Movimento Brasil Livre), que deixou de apoiá-lo.

"Se estivessem fazendo coisas boas, a primeira estaria mais magra e o segundo estaria menos pitoco de sem vergonha… Eu acho que mentir engorda, mentir engorda.”

Bolsonaro: "Ela queria dar o furo”

Em 18 de fevereiro, o alvo foi uma repórter da Folha de S. Paulo, que publicou reportagem sobre a indústria de fake news movida pelos grupos bolsonaristas.

A perseguição à repórter Patrícia Campos Mello ganhou atenção internacional das instituições de direitos humanos e liberdade de imprensa, além de cobertura dos principais veículos do mundo. A jornalista foi atacada por bolsonaristas nas redes sociais, que associaram a profissão de repórter à prostituição.

"Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e de seus apoiadores] a qualquer preço contra mim”, disse Bolsonaro.

Em junho, em meio à pandemia, o Ministério da Saúde divulgou uma nota técnica orientado os serviços de saúde a manter o atendimento a vítimas de estupro e mulheres em risco de morte para o procedimento do aborto legal. Em uma live, o presidente afirmou que a nota era fake news e que permitia o aborto generalizado por causa da pandemia.

"Então, a questão do aborto, eu presidente da República, no que depender da minha caneta Bic, não tem sanção para o aborto, nem tem facilitação do aborto por parte do Ministério da Saúde.”

Ministros de Bolsonaro

A ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, é citada duas vezes na ação do Ministério Público Federal.

A primeira frase foi dita em 16 de abril do ano passado: "A mulher deve ser submissa. Dentro da doutrina cristã, sim. Dentro da doutrina cristã, lá dentro da igreja, nós entendemos que um casamento entre homem e mulher, o homem é o líder do casamento. Então essa é uma percepção lá dentro da minha igreja, dentro da minha fé”. Em um outro momento do mesmo discurso, dirigindo-se à deputada Tabata Amaral (PDT-SP): "Que deputada linda. Só o fato de você estar no parlamento, não precisava nem abrir a boca. Só o fato de você estar aqui, já diz pra jovens lá fora, elas também podem chegar aqui.”

Em 25 de julho do mesmo ano, a ministra declarou: "Por que os pais exploram? É por causa da fome? Vamos levar empreendimentos para a ilha do Marajó, vamos atender as necessidades daquele povo. Uns especialistas chegaram a falar para nós aqui no gabinete que as meninas lá são exploradas porque não têm calcinha. Não usam calcinha, são muito pobres. E perguntaram ‘por que o ministério não faz uma campanha para levar calcinhas para lá?’. Nós conseguimos um monte. Mas por que levar calcinha? Essa calcinha vai acabar. Nós temos que levar uma fábrica de calcinhas para a ilha do Marajó, gerar emprego lá, e as calcinhas saírem baratinhas para as meninas.”

A ministra se referia ao alto índice de estupros na ilha de Marajó e citar o suposto fato de que as meninas não usavam calcinha soou como responsabilização da vítima e não do agressor, segundo o MPF.

Ernesto Araújo

Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, foi mais um dos ministros a ser citado por suas declarações misóginas. Em 10 de junho de ano passado, ele disse: "Hoje um homem olhar para uma mulher já é tentativa de estupro.”

Em agosto passado, ao explicar sua declaração no Congresso Nacional, o ministro afirmou:

"Tenho preocupação com a demonização da sexualidade masculina, no caso. A gente vê muito nos Estados Unidos situações em que a mulher alega, sem qualquer prova, que foi vítima de estupro, e a vida do homem é destruída.” E continuou: "Não é de forma nenhuma negar o problema do estupro, isso tem que se combatido como todas as formas de violência, mas é expulsar a ideologia desse tipo de debate.”

Sérgio Moro

Quando ainda era ministro da Justiça, Sergio Moro seguiu a mesma linha de Ernesto Araújo em seu Twitter em agosto do ano passado.

"Talvez nós, homens, nos sintamos intimidados. Talvez nós, homens, percebamos que o mundo está mudando e, por conta dessa intimidação, infelizmente, por vezes, recorremos à violência para afirmar uma pretensa superioridade que não mais existe.”

Paulo Guedes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, acabou tendo de se desculpar depois de ofender Brigitte Macron, esposa do presidente da França, Emmanuel Macron. O episódio se deu em setembro do ano passado, quando o francês criticou o Brasil pela alta taxa de incêndios na Amazônia.

"Eu estou vendo progresso em várias frentes, mas a preocupação é: xingaram a Bachelet, xingaram a mulher do Macron, chamaram a mulher de feia. ‘Ah, o Macron falou que estão botando fogo na floresta brasileira, o presidente devolveu. Falou que a mulher dele é feia’. Tudo bem, é divertido. Não tem problema nenhum, é tudo verdade, o presidente falou mesmo. E é verdade mesmo, a mulher é feia mesmo.”

Argumento do MPF

Os procuradores da República Pedro Antonio de Oliveira Machado e Lisiane Braecher pedem a indenização por danos coletivos por entender que os pronunciamentos de agentes públicos, notadamente do mais alto escalão do governo, repercutem na sociedade.

Para eles, "não é admissível acreditar” que os agentes da cúpula dos Poderes "desconheçam que suas mensagens não são inocentes e geram consequências”.

"Um modo de dominação é geralmente legitimado quando os que estão submetidos a ele passam a julgar seu próprio comportamento pelos critérios de seus governantes”, escreveram os procuradores.

Com informações do BuzzFeed News



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