Brasil Dividido na Campanha
***Recuperação do histórico***
Fábio Dantas é cientista político da Universidade Federal da Bahia (Ufba)
A consolidação da liderança de Aécio passa, então, por esse entendimento?
Aécio chegou onde chegou porque formou-se uma articulação à esquerda, entre o PSDB e o PT, que envolve a Marina (tenta fundar a Rede), e o PSB e a possibilidade de aliança com o PPS. A possibilidade da liderança de Aécio é se ele conseguir manter isso unificado e, ao mesmo tempo, os aliados mais tradicionais do PSDB. Caso do DEM que, como está perdendo terreno, já fala em fusão para não perder o lugar de coadjuvante principal para o campo que se despregou do PT e que, agora, se juntou à oposição. Então, se prevalecer o tom que está sendo dado por Serra, Aloysio Nunes, creio que facilita o caminho do PT, que será recompor a sua aliança no campo da centro-esquerda. Mas será mais difícil para o PT recompor isso, se a oposição conseguir manter o tipo de tom que vinha tendo na campanha de Aécio, no sentido de fazer (oposição) como algo mais amplo do que simplesmente o PSDB se batendo contra o PT. Então, as possibilidades para um quadro oposicionista consistente, nestes quatro anos, vão depender da capacidade da oposição falar para fora de São Paulo.
Como assim?
Se ela ficar com o discurso centrado em São Paulo, pode ser que o PT consiga, de novo, colocar a política brasileira como um confronto maniqueísta entre o PT e o PSDB, que é o terreno que mais favorece o PT.
O senhor assinou, com outros intelectuais, um manifesto intitulado a Esquerda Democrática com Aécio. Está surgindo uma nova esquerda no País?
Tratou-se de um manifesto, não é um grupo político. São intelectuais independentes que, em sua maioria, não têm vinculação partidária, mas que, de alguma maneira, têm ligação com certos segmentos de esquerda brasileira que, ao longo do tempo, foi se despregando da aliança com o PT. Embora o tom do manifesto seja muito em cima dos quatro últimos anos de governo Dilma, acho que os problemas foram muito mais pelo esquema de poder montado pelo PT no Brasil, que não é exclusivamente de Dilma.
O PT saiu mais enfraquecido desta eleição, embora tenha traçado um projeto de poder de 20 anos. O PT erra ao buscar a hegemonia?
A estratégia eleitoral até aqui tem dado certo. O PSDB também tinha esse propósito. A questão é como isso se relaciona com as instituições desse País. Que o partido tenha um projeto de ficar 20 anos no poder é totalmente legítimo. O que não deve ser considerado legítimo e normal é que as instituições do país sejam aparelhadas para isso. E houve isso. Há uma constatação que os quadros mais prudentes e reflexíveis do PT deve estar se debruçando sobre essa realidade. É preciso, urgentemente, que essa tal tropa de choque anunciada pela presidente, que iria para o Congresso tentar acalmar os ânimos, entre em campo imediatamente. Porque o que fica de rescaldo, em relação ao período anterior ao das eleições, é muito ruim.
O senhor achou muito pesado o tom da campanha?
A radicalização do tom é algo que faz parte do jogo. Acho que houve transgressão. Uma coisa é você ver que essa radicalização se expressa nas redes sociais, outra é levar para o programa eleitoral e colocar na boca de protagonistas, de gente de importância, um discurso de desqualificação pessoal dos adversários.
Essa tática eleitoral de partir para agressão contra o adversário estimulou o debate preconceituoso de sulistas contra nordestinos?
Não sei mensurar onde isso está sendo fomentado. Numa sociedade com 140 milhões de eleitores, não se pode imaginar que todos são democratas. Não há como se discutir a atuação dos partidos políticos e dos candidatos a partir dessa referencial. Acho que o marketing político, especialmente o da campanha governista, atuou de maneira muito pesada. Mas isto é um sintoma de que a política avançou na eleição.
Avançou em que sentido?
Se a gente se lembrar da eleição de 2010, parecia uma eleição para gerente. A política passava longe do processo político. Agora não, a política entrou para valer. Primeiro em 2013, com as manifestações que ocorreram nas ruas. Em seguida, o acordo político entre Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB), que se deu em bases francamente políticas. Depois com o desfecho que aconteceu do acidente de Eduardo Campos, a aproximação que foi se dando e permitindo criar esse campo de oposição. Mas o marketing reagiu violentamente contra isso, porque teve seu espaço reduzido. O marketing jogou sozinho nas eleições de 2010. Agora não. Ocorreu o mesmo que se deu em 2002 na Bahia, quando Paulo Souto (DEM) venceu o governo. A bancada carlista recuou na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados, havia perda paulatina da influência do grupo sobre as articulações com os outros poderes e a sociedade. Um processo de desgaste que a vitória eleitoral impediu que se enxergasse, mas que teve continuidade e desaguou na vitória em 2006 do PT.
O PT está entrando então, em seu processo de fadiga?
Não estou predizendo 2018, porque o PT tem nas suas mãos o governo e a possibilidade de reverter isso. Mas a vitória do PT, tanto no plano nacional como aqui no estadual, tem essa característica: é a vitória de um esquema político em processo de desgaste, mas que ainda tinha enraizamento suficiente na sociedade para se manter no poder. É claro que é preciso reconhecer, nessa votação estupenda que teve a presidente Dilma no Nordeste e Norte do país, que esse voto significa a mudança de uma situação para determinado segmento da sociedade que foi real, durante estes anos. Mas a questão é quando se vê o processo todo, o desgaste desse esquema político é grande.
Que desgaste seria esse?
Um partido que fica 12 anos no governo, seja ele qual for, é praticamente impossível que as instituições políticas não sejam contaminadas pela lógica política desse partido. É por isso que alternância, revezamento de poder é bom. Acho que nós estamos começando a raciocinar as coisas dessa maneira no Brasil, mas aqui ainda há em largas faixas do eleitorado uma compreensão de que a cada eleição estamos decidindo a nossa vida. Essa coisa agonística, própria de democracias que não estão suficientemente maduras, ainda é realidade no Brasil.
O senhor se referiu à urgência da tropa de choque da presidente entrar em campo para dialogar com o PT e os partidos. O governador Jaques Wagner, cotado para suceder Dilma, ganha protagonismo nesta missão?
O governador Wagner é um dos quadros mais preparados do PT no Brasil para fazer este tipo de trabalho. Uma evidência da sua lucidez foi agora, quando se cogitou o seu nome para ministro da Fazenda, ele dizer "não meto o meu pé onde eu não domino". Acho que ele pode ter um papel interessante nos sentido de fazer com que o PT reflita a respeito do que vem sendo feito nos últimos anos. E o êxito que ele possa vir a ter nesse papel pode ter uma repercussão positiva sobre a própria gestão do governador eleito da Bahia, Rui Costa (PT). Acho que o governador tem o talhe para esse tipo de missão, mas vamos aguardar como as coisas vão se encaminhar. Porque não há só São Paulo no lado da oposição, tem São Paulo no lado da situação também. Embora derrotados fragorosamente, os petistas paulistas seguem com influência importante, exatamente porque ainda têm uma grande influência sobre o partido.
Fonte: Jornal A Tarde-03/11/2014
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