Instituto Pensar - O Papel dos Sindicatos na 4ª Revolução Industrial

O Papel dos Sindicatos na 4ª Revolução Industrial

por: Alexandre Navarro 


Por Alexandre Navarro*

Palavras como Internet das Coisas (IoT), conceito que conecta toda atividade diária da vida humana à web. Robôs Autônomos, máquinas que realizam trabalhos sem qualquer supervisão. Computação em Nuvem, software que associa análise corporativa e analítica das empresas.  Big Data e Data Analytics, algoritmos que organizam e avaliam enormes quantidades de dados que estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, redefinindo como estas vivem, trabalham e relacionam com a natureza.

Aplicações empresariais como Simulação, combinações que testam e otimizam os dispositivos tecnológicos antes que as alterações sejam aplicadas. Manufatura Aditiva, recursos tecnológicos para produção de estruturas para construção civil e sistema de saúde, como estruturas montadas por 3D, a partir de designs complexos ou mais simples. Cibersegurança, tecnologia responsável pela segurança digital contra ataques e manipulações ilícitas tornaram-se comuns no mundo produtivo.

Serviços digitais como 5G e Realidade Ampliada, rede sem fios capaz de baixar arquivos 82 vezes mais rapidamente que o sistema 4G e ainda, conectar operações Juntar TI com o chão de fábrica  a Tecnologia Operacional (TO) e projetar realidades aumentadas em qualquer lugar. Sistemas de Execução de Manufaturas (Manufacturing Execution Systems – MES), que gerenciam e conectam atividades de produção, vinculando-as ao planejamento e à TO. Integração Horizontal e Vertical de Sistemas, transmissão de dados para nuvem que integra o funcionamento da empresa ao ambiente externo colaborativo. Máquinas que Aprendem (Machine Learning), equipamentos treinados para fazer manipulações de algoritmos, coletar dados e propor alguma coisa que interesse às pessoas. Esses são alguns dos componentes da Revolução Tecnológica que  passaram a compor um novo mundo em transformação, voltado a atender qualquer necessidade  humana, física ou metafísica, de forma onisciente e onipresente.

Esta é a 4ª Revolução Industrial, ou Indústria 4.0, denominação que nasceu na Alemanha a partir de parceria do estado, iniciativa privada e centros de pesquisa para oferecer alta tecnologia de forma estratégica. Processos produtivos e fatores de produção independentes do trabalho humano que podem oferecer  mais tempo e qualidade de vida à população alemã.

Por sua vez, o mundo do trabalho brasileiro, suas relações contratuais e seus representantes, organizados ou vinculados politicamente, estão vagando nesta revolução, sem respostas, claras ao menos, para si e para seus representados nesta curiosa "fábrica inteligente”.

A Medida Provisória nº 936/20, que estabeleceu a possibilidade da redução proporcional da jornada de trabalho, de salários e a suspensão temporária do contrato de serviços com a contrapartida temporária vinculada a um benefício para preservação do emprego e da renda,  recebeu mais de mil emendas no Congresso. Algumas muito boas, mas que não responderam à realidade contratual provocada pela crise sanitária.

Nem mesmo conseguiu acompanhar o Congresso o voto do ministro Lewandowski (STF), que pedia a escuta dos representantes sindicais sobre tal reorganização contratual e sobrestamento de direitos, inobstante ter sugerido este, na forma da emergência processual exigida. Tudo feito um rito fast track, sem muita elucubração por parte dos trabalhadores e seus sindicatos

Situações inconclusas que, embora já existentes no mundo do trabalho, foram ampliadas pela pandemia, como o teletrabalho (home office), regulamentado pela no Brasil pela lei nº 13.467/17. Essas situações  pedirão respostas tão logo a crise sanitária se dissipe. Aqui e acolá. Numa realidade mundial que elimina trabalhadores manuais (blue collars workers) e aumenta aceleradamente o número de trabalhadores qualificados (white collars), a par dos resultados e processos exigidos pela Indústria 4.0.

 A "indústria imaterial” agregou, aos antigos fatores de produção do século passado como a natureza (terras cultiváveis, florestas e minas),o trabalho humano e o capital (máquinas, equipamentos, instalações e matérias primas), dois fatores de produção: organização empresarial e tecnologia da informação (ciência traduzida como pesquisa e desenvolvimento tecnológico).

Um dos novos fatores de produção, a TI, se um lado aumenta a produtividade de outro provoca desemprego tecnológico ou estrutural, fenômeno que ocorre em tempos de mudanças na tecnologia de produção (exemplo – brusco – da Indústria 4.0) ou nos padrões de demanda dos consumidores.

Num e noutro caso um grande número de trabalhadores fica desempregado no curto prazo e a recolocação em algum tipo de profissão ou é impossível, ou se dá em situação inferior à anteriormente executada, notadamente na economia informal.

Diferentemente, a minoria especializada, os colarinhos brancos (white collars) – nada a ver com políticos ou dirigentes de estatais e empresas corruptos -, é beneficiada pela valorização especializada de sua mão-de-obra.   

Neste mundo novo cabe uma pergunta: o ganho de produtividade advindo da Indústria 4.0, representado por todas as tecnologias que desmaterializam as atividades humanas e geram novos produtos e processos, muito mais eficazes e com menos custos sem a necessidade da presença humana, será repassado à renda dos trabalhadores e à carga laboral dos consumidores? O modelo projetado na Alemanha prevê um resultado que diminuiria seu dispêndio laboral diário, de 8 para 4 horas, ou mesmo para duas. E resultaria na ampliação do tempo destinado a atividades lúdica: à "diversão e ao balé, à caça pela manhã, à pesca à tarde e às boas refeições e críticas sociais à noite”.

Talvez a resposta para esta pergunta possa ser dada por trabalhadores, sindicatos, representantes políticos e sociedade, discutindo – e podendo até aceitar e defender – novas formas de organização sindical e contratual frente a este novo mundo impermeável. Formas  que permitam  ampliar a esfera de representação e incorporar outros tipos de trabalhadores, como temporários, em tempo parcial (part time, cerca de 40% da força de trabalho do Reino Unido)  e segmentos tradicionalmente excluídos da ação coletiva, como mulheres, jovens, negros e pardos, LGBTs, indígenas e  trabalhadores migrantes, geralmente estrangeiros.

Olhando um novo mundo e os problemas advindos da perda de representatividade e do desemprego estrutural, poderia ser pensada e discutida a fusão de sindicatos, ação que diminuiria os custos administrativos e elevaria o número de representados, ampliando o vínculo de locais de trabalho. A valorização dos  comités de empresas, de delegados sindicais, assim como  o estimulo à  participação de outras formas de representação interna.

Nesta discussão e audiência coletiva, espera-se propor uma organização sindical por ocupação geográfica, regional e por associação, num modelo de diferentes empregadores e empregados (Multiemployer).

Como experiência poder-se-ia criar ou ampliar "Centros de Trabalho”, espaços vinculados às organizações sindicais que ofereçam todo tipo de assistência aos trabalhadores, trabalhadoras e incorporados como formação, abrigo, acolhimento maternal, regularização social, inserção e pertencimento identitário e social.  Modelos esses de relação e trabalho sindical já experimentado em cidades estadunidenses como Nova Iorque, São Francisco, Los Angeles e Filadélfia, assemelhadamente a outras entidades e associações não vinculadas à representatividade profissionalmente.

Essas novas organizações substituirão as antigas. E a par destas experiências,  realizarão um trabalho voltado à solução material das necessidades mais imediatas dos filiados e minorias incorporadas, sob a ótica comunitária e protetiva. 

Quiçá possam, sindicatos e trabalhadores, de forma menos fragmentada e mais racional, com ajuda de redes sociais, dialogar com empregadores para encontrar um meio de ação mais protetivo e contratualmente seguro, permitindo que todos usufruam desta nova forma de produzir e consumir, com igualdades de diretos e oportunidades, democraticamente.

Talvez assim possam contribuir para "moldar a 4ª Revolução Industrial e garantir que ela seja empoderadora e centrada no ser humano, em vez de divisionista e desumana.”  Como disse Klaus Schwab, diretor e fundador do Fórum Econômico Mundial. (A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016).

Alexandre Navarro – vice-presidente da Fundação João Mangabeira e membro da Câmara de Mediação e Arbitragem da FGV, foi membro do Comitê de Peritos em Administração Pública das Nações Unidas – CEPA/UNDESA, secretário nacional e chefe de gabinete do ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, vice-ministro e ministro interino de Integração Nacional, presidente da Terracap e da BRB Serviços.



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