Instituto Pensar - Intelectuais reivindicam o direito de discordar nos EUA

Intelectuais reivindicam o direito de discordar nos EUA

por: Nathalia Bignon 


Mais de 150 intelectuais, entre escritores, acadêmicos e intelectuais ― como Noam Chomsky, Salman Rushdie, Gloria Steinem, Margaret Atwood e Martin Amis ― assinaram uma carta aberta denunciando uma crescente "intolerância” por parte do ativismo progressista norte-americano em relação a ideias discordantes.

No documento, divulgado na última terça-feira (7), os autores destacaram que a atitude está afetando os ambientes acadêmicos e culturais, onde há acusação e boicote, "punições desproporcionais” e uma consequente "aversão ao risco” ou um tipo de autocensura que empobrece o debate público. "Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa fé, sem consequências profissionais funestas”, destacam.

Publicado na revista Harper’s, com o título Uma Carta sobre a Justiça e o Debate Aberto, os intelectuais aplaudem os protestos pela justiça racial e social, por maior igualdade e inclusão, mas alertam que esse "necessário ajuste de contas” também intensificou "um novo conjunto de atitudes morais e compromissos políticos que tendem a enfraquecer nossas normas de debate aberto e de tolerância às diferenças em favor de uma conformidade ideológica”, cita um trecho.

"As forças do iliberalismo estão ganhando terreno no mundo e têm um poderoso aliado em Donald Trump, que representa uma verdadeira ameaça à democracia, mas não se pode permitir que a resistência imponha seu próprio estilo de dogma e coerção”, apontam adiante.

Cultura do cancelamento

O texto aborda uma polêmica candente nos Estados Unidos, sobre se o novo limiar de tolerância zero em relação a desigualdades como racismo, sexismo e homofobia também está alimentando alguns excessos que buscam silenciar qualquer dissidência.

Os críticos costumam se referir a isso como cancel culture, cuja tradução literal seria "cultura do cancelamento” e que faz referência aos vetos e às acusações contra criadores ou professores por qualquer desvio da norma; ou woke culture (derivado do inglês ‘despertar’), que se refere a uma atitude de alerta permanente.Leia também: Ensaísta francês diz que antídoto contra populismo será a reinvenção da democracia


"A livre troca de informações e ideias, a força vital de uma sociedade liberal, está se tornando cada vez mais limitada. Era algo esperado por parte da direita radical, mas a atitude censora está se expandindo em nossa cultura”, diz a carta, que não menciona diretamente recentes polêmicas concretas com nomes e sobrenomes, mas visivelmente descreve situações recentes.

"Os responsáveis por instituições, em uma atitude de pânico e controle de riscos, estão aplicando punições duras e desproporcionais em vez de aplicar reformas ponderadas. Editores foram demitidos por publicar artigos controvertidos; livros foram recolhidos por suposta pouca autenticidade; jornalistas foram proibidos de escrever sobre certos assuntos; professores foram investigados por citar determinados trabalhos”, descreve o texto, entre outros exemplos.

Uma das recentes polêmicas foi a demissão de James Bennet como editor de opinião do The New York Times no início deste mês. O motivo foi a publicação de um artigo do senador republicano Tom Cotton, em que o político pedia uma resposta militar aos protestos e distúrbios pela morte do afro-americano George Floyd.

A enxurrada de críticas dentro e fora da redação levou Bennet a pedir demissão e desculpas pelo texto. O jornal admitiu que não deveria ter publicado o artigo e que o texto não havia sido editado com suficiente rigor.

Guerra cultural

O debate sobre onde termina a tolerância zero em relação aos abusos e onde a começa a se "cancelar” a divergência também se estende à atual revisão das estátuas e monumentos nacionais.

O presidente Donald Trump, que abraçou a guerra cultural como um de seus argumentos de campanha, se concentrou nesse assunto em um longo discurso na noite de sexta-feira passada, véspera do feriado nacional de 4 de julho.

"Nas nossas escolas, nossas redações, até em nossos conselhos de administração, há um novo fascismo de extrema esquerda que exige lealdade absoluta. Se você não fala a língua deles, pratica seus rituais, recita seus mantras e segue seus mandamentos, você será censurado, perseguido e punido”, afirmou.

Na carta, os intelectuais qualificam o presidente de "ameaça à democracia”, mas alertam: "A restrição do debate é realizada por um Governo repressivo ou por uma sociedade intolerante, prejudica os que não têm poder e reduz a capacidade de participação democrática de todos”.

"A maneira de derrotar as más ideias é a exposição, o argumento e a persuasão, não tentar silenciá-las ou querer expulsá-las. Como escritores, precisamos de uma cultura que nos deixe espaço para a experimentação, a tomada de riscos e inclusive os erros. Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa-fé sem consequências profissionais funestas”, concluem.

Signatários

Além dos já mencionados Noam Chomsky, Gloria Steinem, Ian Buruma, Mark Lilla, Margaret Atwood e Martin Amis, a carta foi assinada também por romancistas como John Banville, Jeffrey Eugenides, J. K. Rowling e Salman Rushdie; ensaístas (Paul Berman, Anne Applebaum, David Brooks, Francis Fukuyama, Malcolm Gladwell, Atul Gawande, Enrique Krauze, Arlie Russell Hochschild, Michael Ignatieff, Greil Marcus, Fareed Zakaria, George Packer e Andrew Salomon); músicos (Wynton Marsalis) e até ex-enxadristas (Garry Kasparov).

Fonte: El País



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