Padres relatam racismo dentro da Igreja Católica
por: Mônica Oliveira
O caso do padre Geraldo Natalino, conhecido como padre Gegê, que denunciou nas redes sociais o racismo vivido por ele há pelo menos 26 anos, reacende o debate brasileiro sobre o racismo estrutural, desta vez presente na igreja católica. Padre Gegê, que é negro e teve diagnóstico de estresse agudo após publicação dos relatos, há cerca de um mês, atribui o mal estar à rejeição que viveu, em função da não aceitação do público às suas denúncias.
Inspirado a levantar a voz em meio aos protestos antirracistas mundiais motivados pelo assassinado de George Floyd, padre Gegê hoje é acusado por seguidores de se aproveitar da morte do afroamericano para ganhar visibilidade.
Assim como Natalino, os relatos de outros padres e ex-seminaristas ouvidos pela Folha escancaram os resquícios da escravidão e sua prevalência por meio do racismo estrutural. Para eles, uma das consequências do racismo na igreja é a dificuldade de acesso de religiosos negros a posições de destaque ou cargos altos.
Impedimento
Uma dessas histórias narradas pelo padre Gegê ocorreu em 2010, quando foi selecionado para ser professor na Comissão de Cultura Religiosa da PUC no Rio de Janeiro, unidade da Gávea. Ele conta ao jornal, que nunca assumiu o cargo por impedimento do então bispo auxiliar, Dom Paulo César, hoje bispo da diocese de São Carlos (SP), que é branco. Atualmente padre Gegê é responsável pela Paróquia Santa Bernadete, em Manguinhos (RJ).
IBGE
Em um país onde 56% da população se declara negra (preta ou parda), segundo o IBGE, a Pastoral Afro-Brasileira da CNBB estima que apenas 2,7% dos padres sejam negros. Isso significa que, dos 14 mil padres no Brasil, 380 são negros somam.
A situação de apagamentos se repete quando o assunto são negros em cargos de autoridade na igreja católica, como cardeais, bispos e arcebispos (chamados de prelados), que são 7,6%, ou 37 de 483. No Brasil, segundo o diretório da CNBB, há apenas três arcebispos negros. Não há nenhum cardeal negro.
Expulso por criticar o racismo
Pré-candidato pelo PT à Prefeitura de Fátima do Sul (MS), José Geraldo da Rocha foi seminarista no Rio Grande do Sul, mas foi expulso por criticar o racismo na igreja após passar a militar junto com outros padres e seminaristas ligados ao grupo Agentes de Pastoral Negros, fundado na década de 1980.
"O racismo era muito forte. Minha congregação entendeu por bem me expulsar. Então fui para o Rio de Janeiro, onde aconteceu, em 1987, o primeiro encontro de seminaristas negros. Leonardo Boff nos acolheu em sua casa em Petrópolis. Nós tínhamos a compreensão de que se, continuássemos enfrentando os padres brancos, seríamos todos expulsos, diz Rocha, que confirma a postura da igreja de dificultar acesso de negros a cargos de destaque, além de não adotar uma formação de padres plural.
José Geraldo conta que o racismo do cotidiano passou a ser percebido por ele depois que tomou consciência de sua negritude. "Eu reagia às situações de racismo que via na igreja e meus superiores me achavam problemático. No Rio Grande do Sul, entre 90 seminaristas, éramos apenas 2 negros. Quando fui expulso, um padre me disse: Você era um menino tão bom, pena que entornou.
A baixa representatividade negra dentro da igreja fica evidente quando comparada a quantidade de sacerdotes e de fiéis negros. No Brasil, segundo o censo do IBGE de 2010, católicos somam 64,6% da população. Metade é negra.
Racismo é injustiça
Os líderes religiosos destacam a ocorrência de escravas em conventos como o de Mercês e o das Irmãs Clarissas, ambos na Bahia, como um dos exemplos das injustiças cometidas pela igreja católicas contra o povo negro.
"A Igreja Católica está comprometida até o pescoço com as injustiças que o povo negro sofreu. O convento das Irmãs Clarissas da Bahia, para você ter uma ideia, tinha três escravas negras para servir a cada religiosa branca. Isso foi um atentado total à lei de Deus, afirma o diretor executivo da Educafro, frei David, para quem a igreja tem um passado permissivo com a escravidão e foi totalmente omissa.
A Pastoral Afro-Brasileira não recebe denúncias de racismo contra padres, mas reconhece que a igreja sabe do problema e tem buscado solucioná-lo.
Confira íntegra dos relatos à Folha, aqui.
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