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Da revolução tecnológica e da tecnologia na revolução.

por Alexandre Weffort, para O Lado Oculto em 24/11/2018


Em face das ameaças produzidas por Bolsonaro & Cia, o governo cubano decidiu retirar do território brasileiro o contingente de médicos que ali atuava no âmbito do programa Mais Médicos para o Brasil, programa lançado pelo governo de Dilma Rousseff. 

Bolsonaro pôs em causa a formação dos médicos cubanos, ignorando que Cuba é o país com o maior índice de qualidade educacional da América Latina e Caribe, tem um sistema de saúde universal de qualidade invejável e que colabora solidariamente com diversos países para levar a assistência médica às populações mais carenciadas. 

Bolsonaro ignorava, ainda, que Cuba preza e defende a dignidade de seus cidadãos.

Assim, partindo deste episódio, propomos uma leitura da questão tecnológica na área de comunicação, cruzando as experiências brasileira e cubana.

O propósito de indicado requer a explicitação do nosso ponto de vista, que é também o ponto de partida, no olhar que nos proporcionam duas sociedades que seguem caminhos completamente distintos: no Brasil, deu-se uma guinada à direita, com o discurso neo-fascista do movimento bolsonariano; Cuba, ilha de socialismo num mundo dominado pelo sistema capitalista transnacional e o imperialismo norte-americano, enfrenta os desafios da revolução tecnológica perante o bloqueio norte-americano.

Brasil - na era informática, a democracia representativa em risco.

O problema da comunicação adquire, em cada uma das sociedades que aqui analisamos, uma feição própria. No Brasil, o processo eleitoral de outubro deste ano produziu uma alteração radical do panorama político – após uma fase de orientação social-democrata, com Fernando Henrique Cardoso, seguiram-se as experiências progressistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff, passando pelo escorregar submisso de Temer, o qual abriu um caminho ao retrocesso neo-fascista personificado por Bolsonaro. Nesse processo, desde 2013 até agora, a comunicação foi um instrumento de poder determinante (seja através dos grandes media hegemônicos, seja das redes sociais em ambiente virtual).

O 'caso Bolsonaro' notabilizou o papel do WhatsApp como distribuidor de 'fake news'. As estratégias de marketing dirigido, tanto do marketing comercial como do marketing religioso, combinaram-se numa poderosa máquina de campanha política, montada com recursos aparentemente comuns: qualquer usuário pode criar contas pessoais nas diversas plataformas existentes (WhatsApp, Instagram, Facebook, Twitter, LinkedIn, etc.) e, por via dessas contas, relacionar-se em grupos virtuais. Esses grupos são, por sua vez, interligados em rede (do Blog ou site para contas do Facebook para o WhatsApp, por exemplo).

No processo de promoção da candidatura de Bolsonaro, como noticiou a revista Veja, foram criados diversos grupos, coerentemente estruturados à escala nacional (cobrindo toda a estrutura federal brasileira), com variados níveis de participação, com vista à disseminação de 'fake news'. 

Segundo o blog noticioso 'Fórum', citando o jornal El País, uma rede desse âmbito é dirigida desde Portugal, por dois indivíduos de origem brasileira (um deles intitulando-se "empreendedor" – uma categoria lançada e promovida pelo ex-ministro, ex-licenciado, Miguel Relvas, articulador político do governo PSD de Passos Coelho); aquele "empreendedor" segue eficazmente a cartilha de Steve Bannon.

O populismo da direita radical na era global - o neo-fascismo em rede

A estratégia populista de extrema-direita fixou-se já na Itália. Bannon, tendo estado ligado à eleição de Donald Trump nos EUA e, como consultor, à de Bolsonaro no Brasil, pretende agora fixar em Bruxelas a sede da sua fundação – The Movement – destinada a financiar os partidos de extrema-direita. 

Steve Bannon pretende lançar «a sua cruzada pelo crescimento da influência da extrema-direita no ambiente político da União Europeia (...) Segundo a imprensa italiana, Bannon tem um novo ‘templo’ a partir do qual quer espalhar a sua ‘palavra’: a Cartuxa de Trisulti (Collepardo), um mosteiro construído em 1204 (...) O monumento religioso vai acolher uma espécie de universidade concebida pelo líder dos círculos ultraconservadores do Vaticano, Benjamin Harnwell, que pretende fornecer apoio ideológico e religioso a uma estratégia de desenvolvimento do extremismo de direita».

Não espanta, assim, ver surgir em Portugal uma propaganda da extrema-direita portuguesa congratulando-se pela a vitória eleitoral de Bolsonaro. O movimento nacionalista lusitano cola-se assim aos slogans disseminados pelas redes sociais do movimento bolsonariano, pretendendo uma replicação dessa mesma dinâmica em Portugal e seguindo caminhos semelhantes de instigação da opinião pública.

O estabelecimento da internet como terreno de campanha eleitoral, e das redes sociais virtuais como instrumento de comunicação com o eleitorado, criou um simulacro de movimento real – um movimento político sustentado pela impessoalidade dos atores, transfigurados em avatares – onde se exprimem e replicam mensagens ideológicas criadas com traço grosseiro, apelando sistematicamente à violência e à opressão dos opositores, mensagens de diabolização.

O jogo de desinformação e manipulação no terreno virtual foi acompanhado com o da mesma manipulação no terreno real, nas relações sociais mediadas por estruturas religiosas, nomeadamente, pelas igrejas evangélicas e do movimento pentecostal. A articulação entre ativistas mais radicais – os bolsonarianos – e as igrejas pentecostais é contraditória (como resulta sempre o discurso da violência social na boca do oficiante de qualquer liturgia). Como acontece no mundo das relações sociais reais, as igrejas cumprem uma função contraditória, de amparo aos necessitados e de perpetuação das condições de dominação em que aqueles se encontram submetidos.

Vemos crescer a importância política do movimento pentecostal, assim como a sua implantação a nível demográfico no Brasil (e noutros países, como Portugal, Angola, Moçambique, Zambia), tendo como plataforma giratória o território brasileiro e as seitas que dele disseminam por via do processo migratório.

Lutas sociais - o retorno ao trabalho de base

No séc. 20, no entorno do Concílio Vaticano II, a Igreja Católica abriu-se a uma intervenção social militante de base. Nesse movimento surgido numa era tecnológica anterior à internet e à comunicação virtual propiciada pelas novas tecnologias da comunicação, vimos surgir a Teologia da Libertação, o relevante papel desempenhado pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros) na defesa dos valores cívicos de uma sociedade democrática e o aparecimento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Todas estas estruturas progressistas e as dinâmicas de transformação social que preconizam têm no trabalho de base a sua estratégia comunicacional prioritária.

O MST – define-se e actua como movimento social camponês – é, das organizações cívicas brasileiras, aquela que, de forma mais estruturada e longeva, criou ferramentas eficazes para o trabalho social. O MST surgiu na década de 1980, apoiado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra, órgão da CNBB). A sua estrutura dissemina-se por praticamente todo o Brasil, por meio dos assentamentos rurais, complementada com uma estratégia formativa, em boa verdade, um sistema de escolarização próprio, liberto das amarras ideológicas impostas, nesse plano da educação, pela lógica da sociedade capitalista (na imagem, cartaz produzido pela Escola Nacional Florestan Fernandes, fundada pelo MST para a formação de professores para a rede de escolas criadas nos assentamentos e acampamentos).

Movimento social que, a par do seu projecto específico de reforma agrária, desempenhou um papel relevante na mobilização popular em defesa da democracia e da consigna «Lula Livre», o MST é muitas vezes visado na retórica fascizante bolsonariana, que busca a sua criminalização (propondo a equiparação do MST a organizações terroristas). Nesta fase concreta do processo histórico brasileiro o seu dirigente de maior visibilidade, João Pedro Stédile, indica: o caminho é 'retomar o trabalho de base'.

Na circunstância em que, a nível político, se verifica um enorme retrocesso (os filhotes da ditadura, saudosos de um passado que sequer viveram, já falam em vagas massivas de prisões – dizia Eduardo Bolsonaro: "se for necessário prender 100 mil, qual o problema?"), o caminho de base é, nas palavras de Stédile, «a dinâmica da luta de classes que altera a correlação de forças, que vai resolver os problemas do povo (...) Ficou claro durante esta campanha: temos de retomar o trabalho de base (...) Temos de ter claro que o que altera a correlação de forças: não são discursos, não são mensagens no WhatsApp. O que altera a correlação de forças e resolve os problemas concretos da população é organizar a classe trabalhadora e a população para travar lutas de massas e resolver os seus problemas».

Aquele retorno às bases, assumido pelo dirigente de um movimento social, coloca-se também como caminho indispensável aos partidos políticos, numa sociedade que sofreu profundas mudanças ao longo dos últimos 15 anos, com os programas de benefício social lançados nos governos de Lula da Silva, e que sofreram já com a estagnação e retrocesso praticados pelo governo de Michel Temer. 

Na questão que nos propomos analisar, relacionadas com as tecnologias da informação, observamos a seguinte contradição: foram milhões de eleitores cativados pelo WhatsApp, ou seja, por via do acesso a um 'gadget' informático (smartphone, tablet, etc.), num país que regista hoje o número assombroso de 67 milhões de inadimplentes (no caso, de pessoas com dívidas ao crédito). E, uma das razões para isso é a campanha em roda do consumo desses produtos, muitas vezes porque as marcas principais praticam uma estratégia de obsolescência programada dos equipamentos que comercializam.

Cuba - as novas tecnologias da comunicação em seis décadas de revolução

O nosso olhar sobre o problema da comunicação em Cuba implica assumir um ponto de vista que se constrói a partir "de fora". As fontes de informação são menos abundantes que em relação ao Brasil e, numa pesquisa pela internet, depressa se apresentam aquelas que dão enfoque à questão vista do 'outro lado', onde é patente a pressão ideológica norte-americana.

A revolução cubana assinala, em janeiro de 2019, 60 anos de História e, também, quase seis décadas sobre o início de bloqueio imposto a Cuba pelos EUA. O bloqueio (embargo económico, na nomenclatura estado-unidense) é peça fundamental na política de agressão que os EUA movem contra Cuba desde o momento em que a revolução assumiu o caminho socialista (na imagem, Che Guevara e Fidel Castro).

Cingindo-nos à questão da comunicação, devemos considerar o papel da indústria informática na promoção do consumo de bens e serviços de comunicação, criando produtos, hábitos e públicos consumidores. E, como parecerá evidente, inferimos a deficiente condição do material informático normalmente acessível à sociedade cubana como condição imposta também pelas políticas de bloqueio.

Campanhas de desinformação e intoxicação

Nestes tempos de globalização cultural, onde a tecnologia da comunicação desempenha um papel essencial, o ponto de vista comparado surge como quase óbvio. São enfatizadas as dificuldades de comunicação com o exterior, os comportamentos de dependência próxima à adição, generalizando à sociedade cubana a experiência reportada sobre casos concretos. A imagem a seguir reproduzida foi extraída de um site produzido nos EUA, que apresenta a edição on-line da revista Wired, dedicada às tecnologias emergentes. Assume como patrono o teórico Marshall McLuhan.

O texto ilustra o prisma ideológico de quem o redige, no que refere ao desprezo que nutre pelo modo como a sociedade cubana se organiza, segundo critérios socialistas forjados em seis décadas de revolução. Coloca à vista um problema que é do mundo globalizado: o papel aditivo das novas tecnologias, criador de dependências múltiplas já noticiadas ao nível clínico e social. Todavia, a imagem é interpretada segundo parâmetros do capitalismo, vaticinando uma frustração iminente:

"Sentado na deslumbrante e bela ruína de Havana, cercado por pedras em decomposição e ferro laminado em tons pastel de Detroit, ignorando tudo para arrastar seus dados do Facebook, como um viciado em cocaína lambendo o espelho - o que é, É claro que um usuário depravado de cocaína tenta dar um tiro. E ele vai mover o cursor sobre o mesmo conteúdo que ele visitou 15 minutos atrás, fingindo que ele poderia ter se atualizado e que ele poderia fornecer seu cérebro com a injeção de dopamina que ele exige. No entanto, não atualiza. Não será atualizado"

A manipulação ideológica é notória: procura retratar o estado anímico da juventude cubana de forma irremediavelmente negativa. Louvadas, à maneira saudosista e romântica, as "ruínas” de La Havana, a ela colam a imagem do "depravado cocainómano”, com que procuram subtilmente estigmatizar a imagem da sociedade cubana. 

A marca da sociedade norte-americana está presente no julgamento irreal da realidade vivida em Cuba. O interesse comunicacional é focado sobretudo no Facebook e na janela de contacto que este abre para o mundo global. Por outro lado, são enfaticamente noticiadas formas alternativas de uso dos equipamentos de comunicação pessoal, através da criação de redes de contacto directo, seja pelo uso da relação directa via rádio entre aparelhos, seja pela criação de modos de circulação complementar de informação em suporte físico (disco rígido ou outro, trazidos do exterior). 

A sociedade cubana é apresentada, no que refere à tecnologia da comunicação, como obsoleta e em conflito vital. O capitalismo norte-americano cobra assim, na mensagem ideológica, a consequência do bloqueio que impôs a Cuba. E, se atendermos apenas aos parâmetros capitalistas e aos indicadores cabíveis numa economia de mercado, tenderemos a considerar aquela asserção como plausível. Todavia, manifesta-se no texto um deliberado desconhecimento de aspectos essenciais da sociedade cubana contemporânea: da sua cultura revolucionária e do modo de vida socialista.

A questão tecnológica em Cuba

Ao empreender a redação deste texto, iniciado num equipamento razoavelmente atualizado (um tablet e uma versão recente do seu sistema operativo), procuramos também uma abordagem de âmbito fenomenológico: recuperamos um antigo computador portátil, desenhado para o sistema operativo Windows XP, e instalamos nele a versão cubana do sistema operativo de base Linux – o Nova, na sua sexta edição. 

Contrariamente ao que é indicado, por exemplo, na wikipedia, que afirma ter a sexta edição deste sistema operativo de base Linux – NOVA, apoiado pelo Estado cubano – sido cancelada e tornada inacessível, o facto é que a ele tivemos acesso, foi instalado com facilidade funcionando de forma bastante eficaz, com os aplicativos mais comuns e de distribuição livre.

Desenvolvido e distribuído pela Universidade Universidade das Ciências Informáticas de La Havana, «Nova» é assumidamente "um sistema operativo feito por CUBANOS e para CUBANOS, alinhado às políticas que orientam a informatização nacional e optimizado para as condições tecnológicas do País”, tendo como critério a construção de um processo sustentado de soberania tecnológica.

O recurso a software livre como política de informatização a nível nacional e a construção de um processo que tem por finalidade dotar a sociedade cubana dos recursos tecnológicos considerando a realidade do país e assumindo como critério essencial a defesa da soberania tecnológica: essa é uma das facetas do processo revolucionário cubano que importa reconhecer ao avaliar o grau de atualidade ou de obsolescência dos recursos informáticos, faceta que vai conjugar-se com outra política fundamental – por sua vez, resultante indireta das limitações impostas pelo bloqueio norte-americano – que se define pelo sistemático re-aproveitamento dos equipamentos tecnológicos.

Racionalização tecnológica socialista - um projeto sustentável

Nos primeiros anos da década de 1960, o processo revolucionário cubano teve de enfrentar a agressão norte-americana (por exemplo, na tentativa de invasão e subsequente derrota dos invasores na Baía dos Porcos, ou nos mais de 600 atentados falhados contra Fidel Castro e, continuadamente, por via do bloqueio econômico). Um dos passos da estratégia revolucionária cubana foi dado pelo 'Movimento de Inovadores e Racionalizadores de Cuba'. Surgido pela iniciativa de Ernesto Che Guevara e Lázaro Peña, assumiu em 1965 a forma orgânica de uma 'Associação Nacional de Inventores e Inovadores', funcionando junto ao movimento sindical. 

Ao nível institucional mais elevado, encontraremos a questão que nos ocupa consagrada no SCIT (Sistema de Ciência e Inovação Tecnológica) em Cuba, com vista a um desenvolvimento integrado tanto ao nível da gênese como da aplicação de todos os conhecimentos científicos requeridos para um desenvolvimento multiforme da sociedade, com o objectivo de contribuir para a preservação e avanço do projeto social cubano. Neste contexto, a inovação é concebida como «a transformação de uma ideia em um produto ou processo novo ou melhorado e a sua subsequente utilização com êxito nas esferas da produção material ou espiritual da sociedade».

Cuba foi palco da realização de uma Convenção Internacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, sob o lema "Inovação para o desenvolvimento sustentado”, evento em que as tecnologias da informação mereceram larga atenção. No âmbito acadêmico cubano, diversos são os trabalho sobre as TIC (Tecnologias da Informação e das Comunicações). No entanto, além de eventos de envergadura internacional, marca o processo cubano a sua natureza orgânica de base, o seu modo de estruturação participada nos mais variados níveis de organização social (imagem acima, de uma aula no Instituto Superior Politécnico José António Echeverria).

O objectivo de um melhor uso das tecnologias da informação e da comunicação é o título de um artigo publicado no Granma, órgão central do PCC (Partido Comunista de Cuba). Nesse artigo refere-se como objectivo capacitar o Estado cubano para um desempenho mais elevado no âmbito da governação eletrônica, área em que, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), Cuba se encontra no 131º lugar (num total de 193 países). Os problemas de rede e o custo de operação são, no entanto sentidos de forma crescente pela população – como depois se constata nos comentários (abertamente críticos) publicados na mesma edição do jornal.

Tecnologia e comunicação como problema ideológico

Importa equacionar a questão também sob o ponto de vista ideológico, no que diferencia o modo de valoração dos recursos tecnológicos da comunicação num prisma socialista ou capitalista.

A globalização das comunicações é uma realidade. O dirigente histórico da revolução cubana Fidel Castro dizia, em 1999: «Trata-se de uma realidade irreversível, caracterizada pela crescente inter-relação de todos os países, economias e povos, em virtude dos grandes avanços científico-técnicos que encurtaram as distancias e tornaram realidade as comunicações e a transmissão de informação entre países situados em qualquer lugar do planeta».

Em 1987, disse Fidel Castro: «Creio que o socialismo será muito difícil de construir plenamente sem a computação, porque dela necessita ainda mais que a sociedade capitalista, e a sociedade capitalista hoje não poderia viver sem a computação». E, em 1966, uma década antes, Fidel Castro dizia já: «Nenhuma revolução social poderia conduzir ao socialismo sem uma revolução técnica, e nenhuma sociedade humana alcançará o comunismo sem uma revolução técnica». 

Na, sequência, Fidel Castro formula o ideal de sociedade futura: «Um dia a técnica será de toda a sociedade. E que quer isto dizer? Quer dizer um dia chegará a ser possível o apotegma marxista, ou a aspiração marxista, comunista, de que trabalho manual e trabalho intelectual se combinem (…) Como? Da única forma, desta forma que estamos colocando: quando a técnica seja um conhecimento de toda a sociedade».

Fidel Castro coloca a questão em termos claros: «Quando surgiram, os meios massivos [de comunicação] apoderaram-se das mentes e governavam não só à base de mentiras, mas de reflexos condicionados. Não é o mesmo uma mentira e um reflexo condicionado. A mentira afeta o conhecimento; o reflexo condicionado afeta a capacidade de pensar». 

O sucesso alcançado pela campanha de desinformação que conduziu à eleição de Bolsonaro no Brasil, com o recurso sistemático às chamadas fake news, enquadram-se nos conceitos de manipulação e condicionamento acima referidos. E vimos como, no momento presente, as forças políticas de esquerda (partidos e movimentos sociais) não foram capazes de contrapor, à campanha de desinformação e condicionamento, antídoto suficientemente eficaz.

Uma das formas de condicionamento mais notáveis – a forma aditiva com que se processa o consumo dos produtos cibernéticos – assenta na indústria do entretenimento que domina os processos comunicacionais, por via da disseminação dos artefatos tecnológicos de comunicação (como os smartphones). Sobre a indústria do entretenimento, Fidel Castro dizia: «Nada mais alienante que muitos dos conteúdos da chamada "industria do entretenimento" desenvolvida pelo imperialismo, nos quais crianças e jovens investem infinitas horas sem que, por enquanto, o socialismo tenha criado antídotos suficientemente eficazes para enfrentar a sua influência nociva».

Conclusões

Na busca de um entendimento, por via de uma leitura cruzada, de realidades tão díspares, como são as do Brasil e de Cuba, afloramos questões relacionadas com a tecnologia e sua aplicação à esfera da comunicação, em tempos de globalização. 
As palavras de Fidel Castro permitem-nos aferir como a questão da tecnologia e da comunicação foi assumida em Cuba, perante os projectos de transformação social iniciados em 1959. E, mostram como a tecnologia e a comunicação assumem uma dimensão contraditória quando se coloca a questão das necessidades individuais e colectivas. 

No que refere à tecnologia, Cuba é por vezes apresentada como uma nação estagnada, sem o acesso às novidades que pululam no capitalismo. Como paradigma, o parque automóvel cubano é rotineiramente citado como a imagem de um passado cristalizado. Na imagem da revista Wired, reprodizida a início, a beleza de Havana é colocada em aparente decrepitude: como símbolo de uma sociedade guiada por uma ideologia obsoleta.

As novas tecnologias da comunicação, no uso dominante que lhes é dado no sistema capitalista, são investidas para a criação de uma massa condicionada. A ideia de uma classe ociosa, como apontou Thornstein Veblen em inícios do século 20, desponta um século depois por via dos processos virtuais de comunicação, sendo essa uma das mais nefastas consequências, por exemplo, de plataformas hegemônicas como o Facebook (onde milhões de pessoas ficam rotineiramente presas, na ilusão de uma existência em comunidade virtual, desligados das relações reais e do próprio sentido de realidade).

Em contraponto, vemos como o processo de globalização é marcado pelas novas tecnologias digitais aplicadas à comunicação, processo em que a indústria informática desenvolve uma prática de 'obsolescência programada', fazendo propositadamente com que os aparelhos percam capacidades de desempenho, forçando a sua substituição desnecessária. 

A política de recuperação seguida por Cuba (experimentamos o exemplo do software Nova), definida segundo princípios de sustentabilidade e soberania tecnológica, choca frontalmente com aquela lógica ultra-liberal de mercado, de tornar obsoleto o que ainda é funcional, promovendo o consumismo sempre na mira do lucro. As prioridades seguidas por Cuba em relação à educação e à saúde, chocam com a noção do que é prioritário segundo uma lógica capitalista, cada vez mais focada na indústria do entretenimento.

Podemos colocar da seguinte forma: em Cuba há uma excelente rede de cuidados de saúde e um excelente sistema de ensino, gratuito e universal. Por outro lado, Cuba apresenta uma deficiente cobertura de internet (com custos ainda elevados). Em Portugal, por exemplo, o acesso à saúde é cada vez mais precário e caro, o sistema de ensino superior público também apresenta custos muito elevados; no entanto, em Portugal, grandes empresas multinacionais oferecem acesso à rede de internet cobrindo todo o território, com preços acessíveis, e amplo acesso a todos os canais Fox ... 

A última campanha publicitária da distribuidora norte-americana Fox diz assim, em relação a cada protagonista das muitas séries televisivas em cartaz, «... ele já tem uma casa em Portugal, a sua!» (de acordo o pensamento de Fidel Castro, trata-se de invasão cultural!).

É no âmbito da alienação produzida por meios de baixa densidade de conteúdo (como são Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram, etc.), que a manipulação da consciência social brasileira pela estratégia bolsonarista se realizou com mais sucesso. É onde reside a força imediata do populismo. Essa possibilidade havia sido antevista (ao diferenciar as categorias dos media em função da baixa ou alta densidade dos conteúdos conteúdos que por eles circulam) por Marshall McLuhan, que a revista Wired assume como patrono.

Partindo de uma análise da linguagem publicitária, McLuhan lançou, na década de 1960, a célebre frase: «o meio é a mensagem». Assumida como 'revelação' e seu autor como 'visionário', foi recuperada em finais do século 20, perante o desenvolvimento da indústria do entretenimento por meio da tecnologia de comunicação digital. 

A densidade das reflexões aprofundadas, sustentadas em análises objectivas da realidade e que preenchem normalmente o discurso político marxista, requerem um outro tempo e uma disponibilidade para a sua assimilação (desejavelmente

crítica). No entanto, os tempos de assimilação proporcionados pelas redes virtuais – hoje instrumentos dominantes na comunicação humana – não são favoráveis a essa maior densidade de conteúdo, e impõem seu estatuto de prioridade. 

As implicações do fenômeno comunicacional massivo ligado ao hedonismo, que surge como traço da sociedade capitalista contemporânea (a ética protestante e sua ligação ao espírito do capitalismo, tese apresentada por Max Weber em inícios do século 20, esgotou-se também ao nível das próprias seitas religiosas), aquelas implicações não foram suficientemente reconhecidas no âmbito da teorização marxista. Daí que Fidel Castro tenha sublinhado o papel alienante da indústria do entretenimento e, em 2008, tenha afirmado que as forças que abraçam o ideal socialista não foram ainda capazes de criar «antídotos suficientemente eficazes para enfrentar a sua influência nociva».

 *Alexandre Weffort é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura.
Fonte: O Lado Oculto
Obs: O Portal Vermelho preservou o português lusitano da publicação original.
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Portal Vermelho



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