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A Ética de um Crime - Zulu Araújo

Antes de falarmos da relação Brasil/África no presente, é
fundamental entendermos que a mesma tem origem num crime - o tráfico negreiro.
Crime de lesa-humanidade, diga-se de passagem, conforme afirmou a ONU, na sua
III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, realizada em Durban, em 2001.
Este foi o comércio mais lucrativo e ignóbil realizado por seres humanos ao
longo da história. Dia 25 de maio (Dia da África), o Brasil celebrará esta
relação com um olho no passado, para não repeti-lo, mas com a cabeça no
presente para superar as suas consequências. Afinal, a escravidão negra foi a
maior migração forçada da história da humanidade, onde, por quase 400 anos,
cerca de 13 milhões de pessoas foram deportadas da África para as Américas e o
Caribe.



 



O Brasil recebeu 4 milhões 850 mil africanos, 46% do tráfico
negreiro. Na lista dos 20 principais portos de importação de escravizados nas
Américas, que concentraram 78% do total do tráfico, o Brasil ocupa posição de
destaque, sendo o Rio de Janeiro o primeiro e Salvador o segundo. Na África, a
região mais devastada pelo tráfico de escravos foi à África Central Ocidental,
que hoje é composta pelos países: Angola, República Democrática do Congo,
República do Congo e o sul do Gabão. Dessa extensa área foram deportados para
as Américas e o Caribe mais de cinco milhões de escravizados.



 



Portanto, o DNA Africano não está presente apenas na cor da
pele dos brasileiros, mas na ciência, na academia, na literatura, na música, na
gastronomia, nas artes plásticas, no futebol, no colorido das roupas, assim
como na religiosidade de praticamente todo o continente americano. No Brasil já
em 1850, havia oito negros e pardos para cada branco: cinco milhões de
africanos para 600 mil europeus, a maioria portugueses. A Jamaica, o Haiti e
Cuba não fugiram à regra. Apesar dos nossos laços históricos, a maioria dos
afro-americanos não tem a menor ideia de qual país do continente vieram os seus
ancestrais. Muito menos podem reivindicar a origem, seja ela ashanti, haussá ou
yorubá.



 



E qual a razão disto? Um crime milimetricamente cometido
pelos colonizadores de então, com o objetivo claro de impedir a identificação
das origens dos escravizados, para que assim pudessem não apenas dominar suas
vítimas, mas apagar definitivamente das suas memórias, tanto suas origens
quanto as digitais dos criminosos. Outro objetivo era caracterizar os seres
humanos que foram escravizados, como descendentes de escravos, reduzindo assim
sua condição humana à subalternidade eterna, além de apagar os rastros do crime
de lesa-humanidade, que se estendeu a todo o continente africano.



 

O projeto Brasil: DNA África, é um pequeno, mas importante
passo para recolocar na agenda política da promoção da igualdade racial esta
questão. Afinal, quem é e de onde veio a maioria da população brasileira? Se
nos orgulharmos tanto de ser a maior população negra fora do continente
africano, qual a razão de persistir entre nós tamanha ignorância e
desinformação sobre o passado e o presente deste continente? Nada melhor,
então, do que fazermos uso do avanço tecnológico e da ciência, que deve ser
acessada por todos, para dirimirmos estas inquietações. E é isto, que busca o
referido projeto;  disponibilizar,
refletir e discutir com a nação brasileira a contribuição dos descendentes de
africanos, não mais baseada no achismo, mas com o uso de uma das ferramentas
mais avançadas da tecnologia científica - o teste de DNA.



 



Tenho convicção de que trilhando este caminho conseguiremos
reconhecer, definitivamente, que os negros não são descendentes de escravos,
mas descendentes de seres humanos que foram escravizados e que, por isto mesmo,
devem ser tratados como brasileiros plenos dos seus direitos.

Por Zulu Araújo

No jornal A Tarde



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